Ondas de calor já reduziram em até 38% as populações de aves tropicais, diz estudo
Impacto do calor extremo já supera o de pressões humanas diretas, como desmatamento e ocupação de habitat, em regiões tropicais preservadas

Ondas de calor cada vez mais intensas já reduziram de 25% a 38% as populações de aves nas regiões tropicais desde 1950, segundo estudo publicado na revista Nature Ecology & Evolution. O fenômeno atinge até espécies que vivem em áreas preservadas e tem efeitos que se acumulam por anos, provocando perdas significativas na biodiversidade dessas regiões.
Nas áreas tropicais, como Amazônia, África Central e Sudeste Asiático, as aves já vivem em temperaturas naturalmente altas e próximas ao limite que seu corpo suporta. Quando ocorrem dias muito acima do normal, precisam gastar mais energia para se resfriar, o que pode levar à exaustão, desidratação e, em casos extremos, à morte.
O calor excessivo também afeta o comportamento: elas passam menos tempo procurando alimento, mudam horários de atividade e, às vezes, abandonam ninhos, deixando ovos e filhotes vulneráveis. Como o calor extremo também prejudica a oferta de insetos, frutos e sementes, muitas espécies sofrem com a falta de alimento. Esses impactos não desaparecem rapidamente e, em alguns casos, a perda populacional continua se acumulando com o tempo.
O que os cientistas analisaram?
O trabalho reuniu informações de longo prazo sobre mais de 3 mil populações de aves espalhadas por todos os continentes, registradas entre 1950 e 2020. No total, foram mais de 90 mil observações de campo, incluindo contagens anuais de indivíduos, que permitiram acompanhar o crescimento ou a redução de cada população ao longo de décadas.
Com esses dados, os cientistas compararam períodos de temperaturas normais com anos marcados por ondas de calor — definidas como dias que ultrapassam o 99º percentil da temperatura histórica local, ou seja, mais quentes que 99% de todos os dias registrados anteriormente. Eles também levaram em conta mudanças na quantidade de chuva, eventos de tempestade, desmatamento, urbanização e expansão agrícola, para isolar o efeito do clima. O resultado foi que, nas áreas tropicais, o impacto do calor extremo sobre a redução de aves foi mais forte do que qualquer outro fator analisado, incluindo a perda de habitat.
Quais são as implicações?
Os resultados indicam que a intensificação das ondas de calor causada pelas mudanças climáticas já está remodelando ecossistemas inteiros e ameaçando espécies mesmo em regiões bem preservadas, sem corte de árvores ou ocupação humana direta. Isso exige repensar estratégias de conservação. Não basta apenas proteger florestas: será preciso criar condições para que as aves resistam a períodos de calor extremo, com áreas de refúgio, sombreamento natural e preservação de fontes de água.
O estudo também reforça a urgência de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, já que a frequência e a intensidade desses eventos extremos tendem a aumentar. Se nada for feito, populações que hoje estão estáveis podem entrar em declínio, afetando não só as aves, mas toda a rede de espécies que depende delas: de insetos polinizados por beija-flores até plantas cujas sementes são espalhadas por tucanos e araras.