Psicodélico produzido por sapo tem potencial para tratamento psiquiátrico
Efeitos ansiolíticos e antidepressivos foram observados em camundongos
Na última década, em especial desde 2017, houve o que muitos especialistas descrevem como renascimento da ciência psicodélica. Desde lá, pesquisadores têm descoberto o enorme potencial dessas drogas, que desde a década de 1970 foram demonizadas e afastadas dos laboratórios de pesquisa. Agora, mais uma dessas substâncias foi descoberta e ela vem da toxina de uma espécie de sapo venenoso.
Chamado cientificamente de 5-MeO-DMT, o elemento é encontrado na secreção venenosa produzida pelo Incilius alvarius, popularmente conhecido como Bufo alvarius, Sapo do Rio Colorado ou Sapo do Deserto de Sonora. O que os cientistas da Escola Icahn de Medicina, em Nova York, descobriram é que essa substância é capaz de produzir efeito ansiolíticos e antidepressivos em animais.
Por enquanto a substância só foi testada em camundongos, mas o mais interessante é que foi possível fazer uma versão ligeiramente modificada do 5-MeO-DMT, que consegue manter os efeitos de interesse psiquiátrico mesmo sem causar os efeitos alucinógenos conhecidos.
“Psicodélicos como LSD e psilocibina entraram em ensaios clínicos com resultados iniciais promissores, embora ainda não entendamos como eles engajam diferentes alvos moleculares no cérebro para desencadear seus efeitos terapêuticos”, diz a autora do estudo, Audrey Warren, em comunicado. “Nosso estudo destaca, pela primeira vez, como receptores de serotonina, como o 5-HT1A, provavelmente modulam os efeitos subjetivos da experiência psicodélica e também desempenham um papel potencialmente crucial em seu resultado terapêutico observado clinicamente.'”
O poder alucinógeno da secreção produzida por essa espécie já era conhecido. Ele é bastante comum nos Estados Unidos e no México, e nesses locais, algumas pessoas já consumiam a secreção para fins religiosos ou recreativos.
Conseguir a substância, contudo, pode não ser tão fácil. Primeiro porque, apesar de potente, ela não é produzida em muitas quantidades. Depois, porque ele consta na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) como uma espécie que pode vir a ser ameaçada por esse tipo de coleta.
Como o estudo foi feito?
A descoberta foi publicada nesta quarta-feira, 8, no renomado periódico científico Nature. Para chegar aos resultados, eles utilizaram um modelo animal de transtorno psiquiátrico, ou seja, um camundongo que foi exposto cronicamente a um estresse para passar a apresentar um estado semelhante a ansiedade e depressão. Esse tipo de transtorno, nos animais, faz com que eles se locomovam menos e se exponham menos a situações de risco.
Após a purificação da substancia de interesse, retirada da toxina do sapo, eles administraram aos animais a versão original e a algumas versões modificadas da proteína. Isso mostrou que o 5-MeO-DMT é capaz de reverter esse estado semelhante à depressão e à ansiedade de maneira bastante prologada nos animais.
O efeito no sistema nervoso dos alucinógenos se dá principalmente porque eles se ligam a receptores de serotonina. Uma das modificações feitas pelos pesquisadores fez com que o 5-MeO-DMT se ligasse preferencialmente a apenas um desses receptores, fazendo com que a atividade ansiolítica e antidepressiva continuasse, mas eliminando o efeito psicodélico.
Como estão os estudos com outros psicodélicos?
Diversos psicodélicos tem sido estudados para tratar condições psiquiátricas, sendo a maioria deles bastante seguros do ponto de vista clínico. Entre os resultados mais promissores estão o efeito da ayahuasca no tratamento de casos graves de depressão e o MDMA no tratamento do transtorno pós-traumático. O LSD e a psilocibina, encontrada nos chamados cogumelos mágicos, também estão sendo investigados.
O mecanismo de cura desses medicamentos em potencial ainda está sendo analisado, mas as principais teorias sugerem que a ação se dá principalmente por meio da ação nos receptores de serotonina. Nesses transtornos psiquiátricos, uma característica comum é a dificuldade de estabelecer novas maneiras de pensar na vida ou em determinados acontecimentos. O que essas substâncias fazem é induzir a criação de novas sinapses, facilitando lógicas diferentes de pensamento e, consequentemente, a quebra do ciclo lógico que leva ao sofrimento psicológico.