Seres microscópicos ajudam a ciência a estudar a vida extraterrestre
Capazes de viver em ambientes extremos, eles podem oferecer inúmeras respostas, apesar do diminuto tamanho
Em 1957, a simpática vira-lata russa Laika ocupou um lugar especial na longa lista de animais enviados ao espaço pelo homem. Sua missão terminou em sucesso: ela foi a primeira a orbitar a Terra e ajudou os pesquisadores a reunir o conhecimento necessário para que o cosmonauta soviético Yuri Gagarin escrevesse seu nome nos livros de história quatro anos depois, ao fazer o primeiro voo espacial tripulado por humanos. Antes e depois de Laika, chimpanzés, ratos e outros cães também participaram de viagens espaciais. Embora os experimentos pareçam cruéis aos olhos atuais — a jornada, na maioria das vezes, tinha como destino final a morte certa na escuridão espacial, exatamente como ocorreu com Laika —, em outros tempos eram vistos como um “mal necessário” para saciar a vontade humana de compreender as condições do espaço. Agora, o cenário mudou completamente. Saem de cena os mamíferos para dar lugar a seres microscópicos, e a surpresa é que eles podem oferecer inúmeras respostas para a ciência, apesar do diminuto tamanho.
O posto de nova estrela da corrida espacial é ocupado pelos tardígrados, também conhecidos como ursos-d’água. Animais segmentados de aproximadamente meio milímetro, eles já foram encontrados em ambientes extremos e suportam variações de temperatura que partem de 272 graus negativos e chegam a 150 graus positivos, além de possuírem a invejável capacidade de viver décadas sem água nem comida e de resistir a altíssimos níveis de radiação. São, portanto, habilidades utilíssimas no espaço, onde não há atmosfera para proteção contra os raios ultravioleta, a temperatura ultrapassa a marca dos 270 graus negativos e a radiação pode equivaler a 6 000 raios X torácicos. Os tardígrados passaram ilesos até mesmo pelos cinco grandes eventos de extinção em massa ocorridos na Terra.
Por todas essas razões, eles foram levados para a Estação Espacial Internacional com uma missão notável: revelar como seu material genético se adapta a cenários inóspitos para a vida tal qual a conhecemos. “Queremos ver quais truques os tardígrados usam para sobreviver no espaço”, afirmou Thomas Boothby, biólogo da Universidade de Wyoming, nos Estados Unidos, e um dos principais pesquisadores envolvidos no experimento. O objetivo dos cientistas é observar o crescimento dos tardígrados por longos períodos e investigar, por exemplo, como a baixíssima gravidade e a elevada radiação afetam a sua composição. Segundo os cientistas, seria improvável fazer algo semelhante com animais de grande porte, que certamente não sobreviveriam por longas jornadas em órbita. O trabalho dos pesquisadores, obviamente, não será simples. Depois de coletar as informações, começa a nova, e talvez a mais difícil, etapa do projeto: entender se seria possível replicar em seres humanos de carne e osso o que os tardígrados fizeram para driblar os efeitos da vida no espaço.
O experimento da Estação Espacial não é o único desse tipo. Um estudo realizado no ano passado pela Nasa e o Centro Aeroespacial Alemão concluiu que alguns microrganismos terrestres poderiam sobreviver na superfície de Marte. Os testes foram feitos na estratosfera da Terra, que tem condições semelhantes às encontradas no Planeta Vermelho. “Alguns micróbios podem ser inestimáveis para a exploração espacial”, disse Katharina Siems, uma das autoras do estudo. “Eles poderiam nos ajudar a produzir alimentos e suprimentos independentemente da Terra.” Laika jamais será esquecida pelo seu feito, mas a humanidade está prestes a conhecer façanhas ainda mais impressionantes realizadas pelos minúsculos — mas gigantescos — seres microscópicos.
Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2022, edição nº 2774