Quatro, três, dois, um, zero! Quando, no próximo dia 27, se encerrar a contagem regressiva para que os motores do gigantesco foguete Falcon 9, queimando milhares de litros de hidrogênio líquido, ergam da plataforma de lançamento do Kennedy Space Center (EUA) as 1 420 toneladas da nave, estará começando um novo capítulo na história da exploração do cosmo. Com dois astronautas a bordo, os veteranos Robert Behnken e Douglas Hurley, o voo tomará o rumo da Estação Espacial Internacional (ISS). Primeira missão tripulada a partir de solo americano após o hiato de uma década, a Demo-2 representará a consolidação da parceria da Nasa com a iniciativa privada. Não é pouco, porém há outro dado que torna o evento ainda mais extraordinário: será o primeiro lançamento da agência espacial americana orientado pelo signo de uma pandemia.
Os sinais de prevenção contra o novo coronavírus podem ser facilmente identificados em várias das derradeiras etapas de preparação da missão. As equipes foram reduzidas, com o objetivo de evitar ao máximo o contato entre os funcionários; os treinamentos migraram para o universo virtual; e todos os que estiverem na lendária sala de controle de voos da agência vão usar máscara e se sentar a 1,8 metro de distância dos colegas (leia mais a respeito das precauções no quadro abaixo). Tantos cuidados foram necessários para que o surto de Covid-19 não afetasse o cronograma de um projeto que vem sendo montado há pelo menos três anos pela Nasa e pela SpaceX, a empresa espacial do bilionário Elon Musk. A Demo-2 está sendo vista como o teste definitivo para o módulo Crew Dragon, que também será usado em novas viagens para a Lua, que devem ocorrer em 2024.
ASSINE VEJA
Clique e AssineA associação entre a agência espacial americana e o setor privado, que põe fim ao monopólio governamental da conquista do universo, configura-se como um desfecho incontornável do avanço das tecnologias aeroespaciais alcançado por companhias do mercado. A competição entre a SpaceX e a Blue Origin — de Jeff Bezos, dono da Amazon, o homem mais rico do mundo — fez cair em algo acima de 30% o custo de decolagens somente em razão da criação de um método para lançar foguetes e depois pousá-los de volta. Motores mais potentes desbancaram tudo o que foi criado nas décadas de 60 e 70, período em que o orçamento para as missões espaciais nos EUA superava 600 bilhões de dólares (hoje, não chega a 30 bilhões de dólares).
Como, no entanto, a nova fase apenas começou, os discursos ainda não estão inteiramente afinados. A Nasa, tão logo ficou evidente a ameaça da pandemia, decidiu que trocaria o que fosse preciso para proteger a missão, evitando levar o novo coronavírus para fora do planeta. Já Musk deu pistas de duvidar da gravidade do surto epidêmico. O empresário declarou, por exemplo, que não concordava com as políticas de isolamento social e, em nota aos empregados da SpaceX, afirmou que existe um risco maior de eles morrerem em um acidente de carro que de Covid-19. Curiosamente, em 2013, Musk disse que a missão de sua companhia que começava a despontar era, em um futuro não muito distante, explorar novos mundos no caso de uma grande tragédia atingir a humanidade. “Ou espalhamos a Terra para outros planetas ou arriscamos entrar em extinção. Um evento que cause grande número de mortes é inevitável”, alardeou. A pandemia não será isso, é claro. Mas ganhar o cosmo não é má ideia. Ela ajuda a lembrar que se deve cuidar melhor deste pequeno globo azul.
Publicado em VEJA de 13 de maio de 2020, edição nº 2686