Em 1905, quando apareceu o primeiro desenho do esqueleto de um tiranossauro, o bicho pré-histórico recebeu a coroa de rei e, desde então, não perdeu a majestade, como denota seu sobrenome em latim. Ele não foi o maior dos dinossauros, nem mesmo o maior dos carnívoros, mas seu carisma é inigualável.
Favorito das crianças e dos cientistas amadores, o T-rex estrelou o filme Parque dos Dinossauros, de 1993, produzido quando a paleontologia ainda estava em seu período jurássico, desprovida dos supercomputadores e simuladores tridimensionais que viriam mais tarde. Agora, a soma dessas tecnologias, associada a novas descobertas paleontológicas, está desmitificando uma característica marcante da criatura vista no cinema: sua velocidade. Se as projeções de um pesquisador holandês estiverem corretas, o tiranossauro teria sido um animal tão lento quanto suas presas, característica que talvez o forçasse a andar em bando e se alimentar de animais mortos.
Antes, porém, de vilipendiar a memória do velho rei, vale dizer que, se o homem tivesse sido contemporâneo ao tiranossauro, mesmo que conseguisse deixá-lo para trás na corrida, ainda teria pesadelos quando chegasse em casa. Resultado de 40 milhões de anos de evolução, o T-rex se destacava por ser o bípede dominante na região hoje conhecida como América do Norte, cerca de 68 milhões de anos atrás. Um macho adulto tinha 3,5 metros de altura e pesava 8 toneladas. Sua mordida, duas vezes mais forte que a do poderoso crocodilo marinho, poderia estraçalhar um carro. Entretanto, suas pernas eram obrigadas a suportar 12 metros de comprimento de ossos, tecidos e cartilagens, da cabeça à ponta da cauda. E essa cauda, apesar de lhe garantir o equilíbrio ao se locomover, também empurrava os calcanhares para baixo, impedindo que ele ganhasse velocidade.
O primeiro estudo a chegar a essa conclusão foi publicado na semana passada por acadêmicos da Universidade Livre de Amsterdã, liderados por Pasha van Bijlert, bacharel em biomecânica e anatomia musculoesquelética. Diferentemente dos trabalhos anteriores, que focavam as poderosas pernas do T-rex, Van Bijlert e seus colegas calcularam a velocidade usando dois fatores indispensáveis: a trilha de passos de tiranossauro, descoberta pelo paleontólogo Richard McCrea no Canadá, em 2014, e a elasticidade natural da cauda do animal, que balançava de cima para baixo. “Estimando a frequência do balanço da cauda e combinando o resultado com a trilha fossilizada de McCrea, concluímos que o T-rex se locomovia a 4,61 quilômetros por hora”, disse a VEJA o pesquisador de apenas 27 anos. O modelo tridimensional foi obtido a partir dos fósseis originais de Trix, uma fêmea exumada no estado de Montana, nos Estados Unidos, cuja réplica está exposta no Centro de Biodiversidade Naturalis, em Leiden, na Holanda.
A recente reavaliação da velocidade do mais admirado dos dinossauros ajuda a corroborar a tese de que ele não seria o predador solitário e implacável que se imaginava. Estudando um cemitério de tiranossauros encontrado no sul do estado de Utah, também nos Estados Unidos, paleontólogos concluíram que os fósseis não foram arrastados para a região por inundação. Em outras palavras, um grupo teria morrido no local, o que seria um indício de que esses animais eram gregários e caçavam em bando, como lobos. A lentidão natural também justificaria por que eles não corriam atrás de presas o tempo todo.
Quando Steven Spielberg dirigiu seu Parque dos Dinossauros, Jack Horner, renomado paleontólogo, pediu que o diretor considerasse colocar penas coloridas no tiranossauro, dando suporte à teoria — ainda hoje sem comprovação — de que eles eram emplumados. Spielberg se recusou, alegando que monstros assim não assustariam ninguém. Mas o T-rex persegue um jipe em cena antológica. Ele seria capaz de fazer aquilo? Van Bijlert lembra que 4,61 quilômetros por hora era a velocidade de passeio do rei. Em situação de perigo ou fome, ele talvez conseguisse chegar a 30 quilômetros por hora. Nessas circunstâncias, só velocistas como o campeão Usain Bolt garantiriam a fuga.
Publicado em VEJA de 5 de maio de 2021, edição nº 2736