O lançamento do hoje lendário telescópio Hubble, em abril de 1990, foi um marco para a ciência, mudando a forma de ver e compreender o espaço. Lá no alto, o equipamento conseguia visualizar as estrelas diretamente, sem o véu da atmosfera terrestre — um grande salto na astronomia. Uma vez aberta essa porta para o entendimento do universo, os cientistas se apressaram a ampliar seus horizontes pondo em marcha o projeto de construção do sucessor do Hubble. Com orçamento de 1 bilhão de dólares, engenheiros das agências espaciais americana, europeia e chinesa inicialmente planejaram um supertelescópio com espelho de 10 metros, três vezes mais poderoso, onde embutiriam sensores capazes de captar imagens em meio a raios luminosos infravermelhos e ultravioleta. Demorou quatorze anos e custou dez vezes mais, mas em dezembro de 2021 o telescópio espacial James Webb foi lançado com estardalhaço, um pouco menor (espelho de 6,5 metros) e com sensores mais limitados, mas ainda assim capaz de excepcionais descobertas.
Não decepcionou: imagens recentes captadas por ele estão revolucionando os conceitos sobre os primórdios do universo. “A expectativa era grande, mas mesmo assim nos surpreendemos com o que ele tem revelado”, diz Joris Witstok, cosmólogo da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, que participa das pesquisas. “Olhar tão fundo no passado está mostrando que, no início, o universo era bem diferente do que imaginávamos.”
Por conseguir enxergar um comprimento de onda invisível para os olhos humanos, o James Webb é capaz de captar sinais que viajaram por bilhões de anos. Esse desempenho lhe permitiu quebrar duas vezes, no curto espaço de tempo em que se encontra ativo, o recorde de galáxia mais antiga já avistada, expondo imagens inéditas de aglomerados de estrelas formadas 300 milhões de anos após o Big Bang — praticamente os primeiros segundos de existência de um universo com cerca de 13,8 bilhões de anos. O resultado abalou as estruturas do mundo científico, que supunha que as primeiras galáxias fossem pequenas e opacas, devido à escassez de elementos químicos complexos. As imagens do James Webb revelaram, ao contrário, que esses aglomerados são inesperadamente grandes e brilhantes, o que sugere uma evolução bem diversa das conjecturas até então em vigor.
Revelações sobre os primórdios do universo são o feito de maior impacto até agora entre as muitas descobertas captadas pelo James Webb. Desde as primeiras imagens, enviadas em julho de 2022, o telescópio confirmou o que se previa: que sua trajetória seria um divisor de águas na astrofísica. “Mesmo com parte do espelho danificado por um meteorito, a qualidade da imagem capturada se mostrou muito superior ao esperado”, afirma o astrofísico brasileiro Christopher Willmer, professor da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos. Em pleno funcionamento, o telescópio mais poderoso já construído pelo homem, capaz de reproduzir um infinito antes invisível, descortinar planetas em estrelas distantes e revelar segredos dos primórdios do universo, tem suas descobertas esmiuçadas em uma série de estudos publicados nos últimos meses.
Além de apontar para novas estrelas e exoplanetas (como são chamados os corpos fora do sistema solar), o supertelescópio já foi capaz de captar auroras em Júpiter, anéis desconhecidos em Netuno e imensos buracos negros, mais ativos do que se supunha. Outra boa surpresa, para os cientistas, é a revisão do prazo de operação do James Webb. “Esperávamos que fosse funcionar por cinco anos, mas o lançamento foi tão perfeito que a expectativa aumentou para duas décadas”, comemora Stefanie Milam, cientista responsável pelo telescópio no Centro Goddard de Voo Espacial, da Nasa. As imagens do Hubble, primeiro, e agora do James Webb lançam novas luzes sobre o mistério das origens do universo, um conhecimento essencial para determinar para onde ele caminha, e abrem espaço para novos saltos da engenhosidade humana.
Publicado em VEJA de 5 de julho de 2024, edição nº 2900