No filme Gravidade, vencedor de sete estatuetas do Oscar, dois cientistas ficam à deriva no espaço depois de colidir com um satélite desativado. Por um triz, algo parecido não ocorreu na vida real. No dia 22 de setembro, três astronautas (um americano e dois russos) tiveram de buscar abrigo em um anexo da Estação Espacial Internacional para se proteger de uma possível trombada com detritos espaciais. Para evitar a tragédia, operadores em solo terráqueo alteraram a rota da EEI e afastaram os tripulantes do perigo. Mas a segurança deles — e dos próximos cosmonautas — está longe de ser garantida. Isso porque flutuam no espaço, em uma faixa de 160 a 2 000 quilômetros acima da Terra, todo tipo de satélite (ativo ou não), restos de foguetes e peças de aeronaves já enviadas ao espaço. Juntos, eles somam 170 milhões de objetos, que formam o que se chama de lixo espacial.
A maior parte desses detritos é minúscula: partículas de tintas de foguetes e pedaços milimétricos de antenas, por exemplo. Estima-se que 95% deles não possuam nenhuma função além de vagar sem destino no infinito. No entanto, segundo calcula a Nasa, a agência espacial americana, mais de 500 000 desses artefatos são maiores do que bolas de gude, o representa um perigo real para naves espaciais e, acima de tudo, astronautas em órbita. Os destroços, afinal, voam numa velocidade até dez vezes maior do que balas de revólver, e o encontro com outros viajantes celestes seria devastador.
Com o aumento expressivo do número de satélites e naves enviados ao espaço — são 400, em média, por ano, mas chegarão a 1 100 até 2025 —, o problema está ficando sério. “No curto prazo, há dois grandes desafios envolvidos”, disse a VEJA William Schonberg, professor de engenharia da Missouri University of Science and Technology e consultor da Nasa. “Do ponto de vista da engenharia, precisamos desenvolver naves resistentes a colisões, mas ao mesmo tempo leves para voar bem.” Segundo o especialista, o outro aspecto envolve questões legais. Se um satélite, digamos, chinês bater em uma nave americana, de quem será a responsabilidade por eventuais danos? Por ora, não há resposta para essa pergunta.
O que sabe é que os cientistas espaciais precisam encontrar uma saída, e rapidamente. Muitos projetos já foram propostos para “limpar” a órbita terrestre, com governos até considerando a possibilidade de oferecer prêmios a entidades que se dispusessem a coletar os escombros espaciais. Outra ideia é lançar uma espécie de “satélite-lixeiro”, que seria capaz de apanhar os detritos. Tudo isso, obviamente, exigiria grandes investimentos e cooperação internacional, ativos em falta no mundo atual.
Enquanto nenhum projeto sai do papel, algumas organizações têm se dedicado a enfrentar o problema. É o caso da Rede de Vigilância Espacial dos EUA, que pretende catalogar os objetos perdidos no espaço. Já a Agência Espacial Europeia vem planejando, desde 2012, uma missão que tem por meta remover grandes pedaços de lixo espacial da órbita da Terra. De acordo com a programação, o plano será posto em prática em 2021.
Alguns obstáculos podem impedir que projetos desse tipo sejam bem-sucedidos. Como grande parte dos detritos é resultado de criações e tecnologias nacionais, outros países podem não dar autorização para terceiros recolhê-los. Uma segunda dificuldade diz respeito a aspectos econômicos. A limpeza do espaço poderá custar bilhões de dólares, e é incerto que traga retornos financeiros. Como se sabe, não há país ou empresa no mundo que se disponha a rasgar dinheiro.
Os que permanecem insensíveis à questão devem ter em mente que o custo pode ser maior quanto mais tempo os especialistas levarem para eliminar o lixo espacial. Apenas a Estação Espacial Internacional, um dos maiores experimentos científicos já realizados, consumiu 150 bilhões de dólares em investimentos. E se ela for danificada em uma colisão? Ou, mais grave ainda: e se um astronauta perder a vida? Embora essas perguntas continuem sem respostas, a verdade é que as nações precisam agir logo — pelo bem de toda a humanidade.
Publicado em VEJA de 7 de outubro de 2020, edição nº 2707