Um acontecimento de 1924…
Nos Jogos Olímpicos de 1912, em Estocolmo, o barão Pierre de Coubertin fez incluir competições de pintura, escultura, arquitetura, música e literatura – um “pentatlo das musas”, nas palavras do bigodudo francês. “A partir de agora eles farão parte de cada olimpíada, em pé de igualdade com as competições esportivas”, disse Coubertin. A ideia durou até 1948, quando os cartolas do COI decidiram enterrá-la, porque os artistas eram todos profissionais. Mas nunca, como em Paris, há cem anos, a disputa de compassos, pinceis, lápis e canetas teve tanta relevância. A medalha de ouro em pintura ficou com um ilustrador de jornais de Luxemburgo, Jean Jacoby, autor de um tríptico com representações esportivas: futebol, rúgbi e atletismo. Duas delas – a de futebol e rúgbi– estão guardadas no acervo técnico do Museu Olímpico em Zurique, na Suiça. A de atletismo se perdeu. O desenho do esporte bretão é chamado “Escanteio”. Mostra uma disputa de bola na pequena área, um time de azul, outro de vermelho, o goleiro de boné. Perto do que Picasso e cia. andavam fazendo, soa um tanto pueril, convencional em demasia, mas convém lembrar que em 1928 Jacoby ganharia o bicampeonato dourado.
O escanteio de Jacoby, vê-se pela imagem, não resultou com a bola na rede, não foi um gol olímpico, portanto. A expressão “gol olímpico”, aliás, surgiu em 2 de outubro de 1924, num amistoso entre Argentina e Uruguai, em Buenos Aires. O autor do gol foi o atacante argentino Cesáreo Onzari, na vitória por 2 a 1. Com ironia, porque os uruguaios tinham acabado de ganhar o torneio dos Jogos de Paris, os adversários trataram de criar a alcunha jocosa – se os derrotados tinham subido ao pódio, então aquele tento seria “olímpico”. Volte-se então cinco meses no tempo: que olimpíada extraordinária fez a Celeste, que então passou a ser chamada de “olímpica”. No Uruguai, a competição é tratada como se tivesse sido a primeira Copa do Mundo, que começaria oficialmente apenas em 1930.
Os uruguaios venceram todos os cinco jogos do torneio. Ganharam da Iugoslávia por 7 a 0; de 3 a 0 dos Estados Unidos, de 5 a 1 da França, de 2 a 1 da Holanda e, na final, atropelaram a Suíça em 3 a 0. E então deram a volta olímpica. Nos Jogos de 1928, em Amsterdam, seriam bicampeões. Não por acaso, a camisa oficial da seleção exibe, hoje, quatro estrelas – as dos títulos de 1924 e 1928 e a dos mundias de 1930 e 1950.
… e um “não acontecimento” de agora
Pode acontecer algum gol olímpico, do córner, agora em 2024, embora seja difícil, e é certo que ao menos duas seleções darão a volta olímpica no Parque dos Príncipes. As mulheres fazem a final em 10 de agosto. Os homens, um dia antes. E, numa bela virada histórica – lembremos que Coubertin considerava a participação feminina “impraticável” – o torneio delas, que começou apenas em 1996, é muito mais interessante que o deles (apesar da bobeada de Marta e cia. contra o Japão).O Brasil de Endrick e cia. nem mesmo chegou a Paris. A Argentina não levou Messi. A França não tem Mbappé. O futebol virou patinho feio olímpico, premido por interesses pecuniários muito mais fortes, pelo calendário dos clubes, pela força da grana.
No episódio de quinta-feira, dia 1º de agosto: a revolução de Picasso e as piruetas de Simone, Rebeca e cia.