Nesta coluna, já analisei o motivo de muitas pessoas terem se sentido ofendidas com o financiamento coletivo promovido por Leo Young (vencedor do reality show MasterChef), Bel Pesce (escritora, youtuber, empresária) e Zé Soares (blogueiro), com o objetivo de abrir uma hamburgueria em São Paulo. Quer saber sobre isso, especificamente? Clique no link acima. Agora, partimos para uma atualização sobre o caso – e acerca do debate gerado a partir dele.
Depois de muito debate sobre o quão bom (e verdadeiro), ou ruim (e falso), seria o currículo de Bel Pesce, o real fundador do Lemon Wallet (do qual Bel sempre diz ser fundadora) veio a público explicar ao menos um ponto da trajetória da autointitulada empreendedora. Com muito malabarismo (confira neste link), Wences Casares concluiu que a brasileira pode, sim, ser considerada do time fundador da empresa. Achei estranho e explico abaixo. Agora, indo além, acredito que o caso extrapola a ascensão de uma nova geração, a de jovens que veem a necessidade de serem chamados de “fundadores” do que for, o quanto antes, para se considerarem “alguém na vida”.
Antes de tudo, explico o estranhamento. Apoiando-me em uma palavra que está tão na moda, a “narrativa” da história de Casares, o ex-dono da Lemon, em nada convence. Assim como não convencia a “narrativa” do trio da hamburgueria, no vídeo que divulgaram para promover a iniciativa. A começar: o que é um fundador? A palavra já fora associada a figuras históricas do calibre de Henry Ford. Hoje, porém, parece que tudo (e todos) vira “fundador”, assim como tudo se transforma em “narrativa”. Em efeito contínuo, a “narrativa” de um “fundador” do século XXI é a de que ele não é o chefe, o dono de um CNPJ, mas, sim, um visionário, amigão dos funcionários, que procura fazer o bem com seu negócio (desculpe, “negócio”, não, “startup”).
No caso de Bel Pesce, em muitas notícias ela aparecia como cofundadora da Lemon. A questão: ela entrou na empresa em agosto de 2011, como funcionária, um mês depois de ter sido lançado o beta do produto da Lemon e três após o real fundamento do negócio (desculpe, novamente, “startup”). Mesmo assim, Casares esclarece que essa primeira equipe de empregados poderia ser chamada de “time de fundadores”. Aí surge o estranhamento. Calma aí, quem criou, por exemplo, o Google? Larry Page e Sergey Brin ou os primeiros contratados por eles? A mesma questão poderia ser feita a respeito da Apple, da Microsoft, de qualquer companhia de renome. Logo, trata-se simplesmente de uso incorreto da palavra “fundador”, ao usá-la para afirmar que Bel seria “fundadora” da Lemon. Ela foi uma das primeiras a serem chamadas para trabalhar lá – o que já dá um “up” no currículo. Mas não criou a startup, convenhamos.
O mau uso da palavra, contudo, está associada a essa necessidade, tão anos 2010, de ter no currículo “fundador de XX”. Não se tratou de enganação, ressalto. Ao menos não uma intencional.
Em dezembro último, a MTV americana fez uma pesquisa com 1000 adolescentes para concluir como eles definiam a própria geração. Chegaram a uma palavra: os “fundadores”. Seriam aqueles que não trabalhariam para os outros, de forma alguma. O que eles querem é ganhar dinheiro criando uma empresa, um canal no YouTube, o que for. Seria desonra acabar no escritório de uma grande companhia.
Esses “fundadores”, nascidos a partir dos anos 2000, substituiriam os “millennials”, que vieram ao mundo nos idos de 1980 e 1990. Para começar, acho que tanto faz essa de “a qual geração pertenço?”. Dá boa chamada para notícias, apenas, mas em nada esclarece. Para mim, o ponto é outro. Sejam os “fundadores” ou os “millenials” (aos quais, em teoria, pertenço), o que ocorre é que tem aparentado que todo mundo com menos de 30 anos quer ser chamado de “fundador” hoje em dia. (Outro reflexo disso é como o uso da palavra “fundador” tem crescido nos últimos anos, como prova a ferramenta NGram Viewer, do Google Books)
Só que essa vontade não é porque esses jovens anseiam em realmente criar algo bacana. Para ser “fundador”, basta abrir uma hamburgueria e pronto. Já coloca lá no currículo. Melhor ainda se o negócio tiver um pé no digital. Aí, meu caro, dá para se achar pertence ao panteão do Vale do Silício, onde estão os ídolos, os rockstars modernos, desta geração. Ou seja, ser “fundador” é mais para aparecer.
Nisso, concordo, em muito, com uma garota de 12 anos que escreveu este texto (clique no link) para a revista americana Time. Trata-se mais de uma geração que precisa aparecer para os amigos no Facebook, tendo mais seguidores, um currículo melhor – ou ao menos com uma cara “melhor” – no Linkedin (claro, quando passam, vá lá, dos 14 anos… afinal, trata-se de uma galera precoce, que começa sua própria “narrativa” bem cedo), e se chamando de “empreendedor” e “fundador” no Twitter, do que uma que propriamente sairá por aí criando um monte de coisa bacana.
Com isso, desenha-se o mito da geração dos “fundadores”. Há claras vantagens nisso, como utilizar a alcunha para motivar a criação de uma penca de negócios (dos quais alguns podem realmente impactar o mundo). Agora, e qual (is) é (são) o (s) problema (s) disso? De princípio, destaco dois.
1º problema Recordo-me de uma conversa que tive com David Baker, ex-redator-chefe da Wired UK (dá para conferir, parte, aqui). Nela – e, depois, em um almoço – falamos de como todo mundo agora quer ser a Califórnia. O modelo de vida do Vale do Silício se espalha, criando esse inquietante imperativo de fundar algo o mais rápido. O que poucos contam (mesmo que seja uma conclusão óbvia): no próprio Vale, são pouquíssimos os fundadores que dão certo. A grande maioria acaba por falir, por se decepcionar, e, quando “dão certo”, mesmo assim, vão parar na equipe de alguma grande empresa da área, como o Google. Quando dão errado…
2º problema Como é inevitável que a maioria não se consagrará nesse mito de “ser fundador”, será que isso não acabará por “fundar” é uma leva de frustrados ou, quiçá, uns exagerados, do tipo que saem por aí dizendo que conquistaram o mundo aos 20 anos quando, na real, só se tornaram hábeis em dizer que criaram coisas que nem criaram?
Ser um “fundador”, no fim, é o equivalente deste século ao “tenho uma banda (logo, sou ‘rockstar’)” dos anos 80 e 90.
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