O caso William Waack e o tribunal da internet
Quem pode ser o próximo réu no Facebook, no Twitter, no Instagram? Você!
Como já é clichê dizer por aí, seja vindo dos “de esquerda” ou dos “de direita”, que a “internet não perdoa”, começo com um esclarecimento que para os mais inteligentes pode aparentar ser óbvio. Contudo, infelizmente é preciso sempre destacar obviedades, com o menor senso de ironia, e de forma mais objetiva, aos, como chamava Umberto Eco, “imbecis” das mídias sociais. Segue, então, o óbvio:
Sou contra atitudes racistas, homofóbicas, excludentes, que procuram julgar o outro simplesmente por como ele nasceu sendo, ou à condenação de quem emite opiniões (entenda: opiniões são diferentes de agressões) que não levem a crimes. Em outro texto deste blog, já me expressei sobre isso, tendo como alvo os haters que se proliferam por Facebook, Twitter e afins.
Dito isso, sigamos.
O julgamento pelo qual passou William Waack na internet, por ter viralizado um vídeo no qual fez comentários racistas, mostra como o povo “imbecil” (volto a, desculpe a piadinha, ecoar Eco) das redes sociais se acha juiz, júri e executor. Quem está na esquerda condena a direita – e os no centro são amassados. Nos últimos tempos, resumiram-se sérios debates políticos a xingamentos – melhor, “xingamentos” – simplistas como “esquerdopata” ou “bolsominion”. Os a favor dos movimentos LGBT tendem a clamar por cadeia para qualquer divergente, e vice-versa. A regra estabelecida é: veja, julgue o mais rápido (quanto menos tempo para refletir, melhor) e compartilhe sua condenação com ares de expert. Será que a maioria se esqueceu que quem tem o dever de realizar esse trabalho é a Justiça? Ou o papel da magistratura deveria ser passado ao povo do Facebook e do Twitter? Assim, poder-se-ia, por exemplo, cruzar dados de perfis de usuários desses sites e, dessa forma, ver quem, por clamor popular online, deveria ir para a prisão ou, quem sabe, arcar com a pena de morte.
A ideia, confesso, não é de toda original. Sou fã de ficção científica e um dos episódios que mais aprecio da fantástica série Black Mirror é o último da terceira temporada: “Odiados pela nação”. Nele, tece-se um futuro, assustadoramente próximo de nosso imaginário, bem possível. Na história, um assassino monitora a hashtag #DeathTo (“morte para”) nas redes, em busca de ver quem lideraria o ranking. Assim, escolhe suas vítimas, como uma polêmica jornalista (há alguma similaridade com o caso de William Waack) e um rapper. Como ele as mata? O criminoso consegue controlar drones em formato de abelhas, que se espalharam pelas cidades em substituição aos insetos (na narrativa, extintos), estes encarregados de cumprir com as ordens. Vamos, agora, sair da ficção. Sabe quem seriam as abelhas no mundo real? Os juízes do Facebook.
E ninguém está a salvo das abelhas facebookianas! A próxima vítima pode ser, sim, você. Proliferam-se as histórias de famosos e anônimos que, do dia para a noite, viraram réus do Big Brother moderno.
Nos EUA, já entrou para a história o triste caso de um menino homossexual que, aos 18 anos, suicidou-se após apontarem para ele dedos condenatórios, em forma de tweets, após o vazamento de um vídeo no qual fazia sexo com outro garoto. Por favor, peço que esqueça credo, raça, orientação sexual, o que for. Veja, por exemplo, como o caso se assemelha a outro, deste ano. Lembra-se de quando supremacistas brancos tomaram as ruas de Charlottesville, nos EUA (se não recorda, dê um Google). Onde tudo começou? Adivinhe? No Facebook, no YouTube, no Twitter. Ambientes nos quais esses radicais de direita expressavam o racismo. Contudo, conversando apenas entre os seus. Ou seja, achando que estão corretos pois só têm acesso às mesmíssimas opiniões de ódio. E assim levaram a violência virtual às ruas reais. Do lado oposto, quem era contra também julgou, instantaneamente, que todos esses manifestantes da extrema direita deveriam é ser presos. E eles mereciam a cadeia? Pode até ser. No entanto, não cabe ao povo da internet decidir isso. Chame a Justiça. Não o Facebook.
Nas redes, não há mais muito diálogo. Melhor, quase não há. O “diálogo” poderia entrar para a lista das espécies sob risco de extinção. Existe, por outro lado, apenas concordância e condenação.
Perde-se, em tantos aspectos, com isso. Lembra do caso do museu de Porto Alegre cuja exposição foi fechada após “os de direita” pedirem por isso? Mais uma prova da ação dos juízes da internet. Assim como, do outro lado, muitos dos que não concordaram já pediam pela morte dos censores. Sim, eu estou entre os que acharam um absurdo o encerramento da Queermuseu. Entretanto, protejo o direito também daqueles que não apreciaram a mostra. Só que também repudio todos aqueles que condenaram sumariamente os artistas ao fuzilamento.
É tão difícil de compreender isso? Defender a liberdade de expressão não é sinônimo de defender a opinião daqueles que pensam como você. Pegou? Reais apoiadores da liberdade de expressão seguem a máxima: “não concordo com aquele cara, mas protegerei até o fim o direito dele falar essas mer(*)”.
E aí voltemos a William Waack. Cabia mesmo à internet ser implacável com ele? É certo julgar a carreira de um profissional por umas falas mal colocadas, ou mesmo imorais, racistas (o colega Augusto Nunes entrou nessa questão, em seu blog)? As mesmas perguntas valem para os casos recentes de hollywoodianos como Kevin Spacey. Deste ator, é mesmo cabível misturar seus desvios morais com seus dotes artísticos? Mais uma vez, soarei óbvio. Entretanto, vivemos numa era na qual algumas obviedades parecem ter sido esquecidas. A frase racista de um jornalista não diminui seu talento e suas conquistas na carreira – nem a importância desses dois elementos. Assim como o comportamento inadequado de um astro do cinema não faz dele um pior ator.
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Sempre que toco no tema do tribunal do Facebook, questiono-me, ainda: “será que gênios como Ernest Hemingway (1899-1961), Nelson Rodrigues (1912-1980) e Hunter S. Thompson (1937-2005) sobreviveriam ao julgamento da manada facebookiana?”. Aposto que não. Provavelmente, todos seriam jogados numa piscina venenosa, repleta de tweets os tachando como “machistas”, “radicais”, “misóginos”.
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