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Além da pecuária: o compromisso de metano e as oportunidades brasileiras

A aceleração da modernização produtiva da pecuária e o gerenciamento de resíduos são as peças-chave para destravar essas oportunidades.

Por Camila Dias de Sá, Claudia Cheron König e Niels Søndergaard (*)
Atualizado em 22 nov 2021, 13h37 - Publicado em 22 nov 2021, 13h16
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  • A COP26 se encerrou com a conclusão do livro de regras do Acordo de Paris, estabelecendo, finalmente, um mercado global de carbono. Por outro lado, ficou devendo intenções mais ambiciosas para redução das emissões dos gases de efeito estufa. Assim, ficamos mais distantes da meta crítica de limitar o aquecimento global a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais até o fim do século.

    Entre aquilo que era esperado e o que foi de fato alcançado, alguns compromissos importantes podem ser elencados. Entre eles o de reduzir a emissão de metano em 30% até 2030, assumido por mais de 100 países, incluindo o Brasil. O metano é originado de fonte biológica (plantas e animais) ou da produção de combustíveis fósseis. O potencial de aquecimento deste gás é 25 vezes maior do que o do CO2, e, atualmente, representa aproximadamente 17% das fontes humanas de aquecimento global. Entretanto, como o tempo de decomposição do metano na atmosfera é de 12 anos, muito mais curto do que o do dióxido de carbono, reduções podem trazer um importante efeito no curto prazo. 

    Até o momento, seis dos dez maiores emissores globais de metano concordaram em assinar o compromisso global de redução do gás. A China, o principal emissor, não foi signatário. Na maior parte dos países a redução do metano ocorrerá, principalmente, no setor de geração de energia. Os EUA, por exemplo, têm como plano de redução o foco na regulamentação e redução dos desperdícios (vazamentos), que deverá aumentar a eficiência do processo de produção do gás natural a um custo relativamente baixo. 

    Diferentemente da maioria dos países que buscarão a redução do metano, por meio da via descrita, o Brasil, detentor do maior rebanho bovino do mundo, tem na pecuária a principal fonte de emissão. Segundo estimativas do SEEG – Observatório do Clima, 66% das emissões nacionais deste gás são devidas à fermentação entérica do gado. Portanto, a redução das emissões de metano terá que ser buscada no processo de produção da carne bovina, o que vai de encontro à agenda de modernização da pecuária já em curso, mas que não obstante precisa ser acelerada. 

    A modernização e tecnificação da produção pecuária implica em abandonar o modelo de expansão “horizontal” baseado na abertura e rápida degradação de novas áreas de vegetação nativa, gerando desmatamento, e na qual o boi é visto como poupança e não como objeto de investimento, com ganhos econômicos frequentemente limitados. 

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    A redução de emissões de metano se encaixa na agenda positiva do setor de pecuária. Em primeiro lugar, uma via de redução do gás gerado pela fermentação entérica passa pelo melhoramento genético dos animais e  redução de seu ciclo de vida: o animal que cresce mais rápido e que chega ao abate duas vezes mais rápido vai emitir duas vezes menos. Esta mudança requer investimento em manejo mais intensivo do pasto, ração, e acompanhamento dos animais ao longo do seu ciclo de vida.. 

    Outras alternativas tecnológicas vêm sendo desenvolvidas no mundo todo, como a utilização de aditivos alimentares, à base de variadas substâncias, que suprimem os processos de produção de metano no estômago dos ruminantes e detém potencial de reduzir significativamente as emissões. Dispositivos que capturam o gás diretamente das narinas, e o decompõem, estão em fase de teste, com previsão de início de sua utilização na Europa já em 2022. Mesmo parecendo ainda distante da realidade, o interesse e o investimento no escalonamento dessas soluções podem facilitar o alcance da meta do compromisso mundial de metano. 

    Além de depender da intensificação e tecnificação da produção de bovinos, a redução do metano também necessita do engajamento ativo de atores públicos e privados. Grandes frigoríficos brasileiros, que têm apresentado metas públicas para desvincular a produção pecuária do desmatamento e reduzir as emissões de CO2, devem receber uma nova onda de escrutínio a partir do compromisso de metano. Estudo recente das organizações Changing Market Foundation, Feedback e Mighty Earth analisou as metas climáticas das 20 maiores empresas de carnes e leite do mundo – sendo duas brasileiras – e não encontrou metas específicas para o metano em nenhuma delas. 

    Uma questão-chave relacionada à modernização da pecuária trata do investimento necessário para impulsionar este processo. Dada a heterogeneidade dos atores no setor, existe um risco de que somente as operações mais capitalizadas vão poder se beneficiar. Portanto, é imprescindível definir quais as soluções que cabem para cada tipo de produtor, e fornecer os meios para que pequenos e médios produtores possam adotar práticas mais sustentáveis e rentáveis. Olhando nos grandes estabelecimentos, projetos amplos de redução de metano seriam fortes candidatos à geração de créditos de carbono que podem financiar os esforços dos pioneiros. 

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    Para além da responsabilidade do setor da pecuária, as estimativas do SEEG – Observatório do Clima indicam que 28% das emissões brasileiras de metano têm origem em resíduos sólidos, efluentes líquidos, dejetos animais e resíduos florestais. O lixão a céu aberto precisa virar passado, e oportunamente, esse é um caminho que o Brasil já começou a trilhar: vislumbrar o metano não como lixo, mas como receita. O tratamento adequado dos resíduos é uma alternativa para a geração de energia  e melhoria da saúde pública.

    A previsão da Associação Brasileira de Biogás (ABiogás) é que a geração de energia a partir de biogás com os mais diversos resíduos crescerá cerca de 30% ao ano no país. A perspectiva para o biogás é considerada promissora em virtude de alguns avanços institucionais recentes, como a quebra do monopólio da Petrobrás nos gasodutos e o recém-aprovado marco legal do saneamento. Uma vez que o biogás gerado nos aterros sanitários e nas estações de tratamento de esgotos produz biometano, ao estabelecer que 90% da população brasileira tenha acesso ao tratamento e à coleta de esgoto até 2033 o marco do saneamento tem potencial de aumentar a oferta de biometano. Atualmente, 53% dos cidadãos brasileiros ainda não possuem rede de esgoto. 

    Segundo a ABiogás, apenas com os resíduos da agropecuária, poderiam ser produzidos, 57,1 milhões m3/dia de biogás, o potencial do país é para 120 milhões de m3/dia, o que equivaleria a 70% do consumo de diesel no país em 2019.

    Uma agenda positiva é de vital importância para o Brasil. O país já perdeu  oportunidades na área ambiental, que têm causado estragos na reputação internacional do país. Na área do metano o Brasil possui as condições para reconciliar demandas ambientais com oportunidades de modernização produtiva, desenvolvimento rural e melhoria da qualidade de vida para a população em geral. Definitivamente o Brasil tem condições de reduzir as emissões de metano acelerando a rápida modernização produtiva da pecuária que já está ocorrendo no campo. É hora de colocar a mão na massa e abraçar essa agenda.

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    (*) Pesquisadores seniors do Insper Agro Global.

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