Por Leandro Gilio* e Nicole Rennó Castro**
No primeiro semestre o Brasil exportou US$62 bilhões em produtos do agronegócio, podendo alcançar cerca de US$ 120 bilhões neste ano – ou cerca de 20% a mais do que em 2020 – atingindo um recorde histórico com a manutenção do mercado neste ritmo, conforme projeções do Insper Agro Global. Esse resultado vem contribuindo com saldo positivo para a balança comercial do país e com uma menor perda de valor da moeda nacional perante o dólar.
A alta nos embarques vem se refletindo sobre o Produto Interno Bruto (PIB) do Agronegócio brasileiro, que no primeiro trimestre de 2021 registrou crescimento de 5,35% da renda do setor, após ter alcançado 24,3% em 2020 (conforme daods calculados pelo CEPEA/ESALQ-USP). Vale destacar que este valor incorpora altas de preços e volumes ocorridas no período – avaliando renda – diferentemente da metodologia padrão do IBGE, que se restringe a volume.
O impulso principal na construção deste macro contexto favorável ao agro brasileiro vem sendo a continuidade da elevada demanda externa, face ao mercado interno ainda enfraquecido – com o resultado das exportações do setor sendo ainda reforçado pelo Real desvalorizado.
O protagonismo neste período foi da atividade agropecuária, que avançou 11,16%. O crescimento foi mais intenso na agricultura (alta de 14,77%), puxado principalmente pelos preços elevados no mercado de grãos e pela expectativa de maior produção no campo, mesmo com a quebra da segunda safra de milho.
Já no caso da pecuária, mesmo com os preços elevados das proteínas (carnes, leite e ovos), o PIB teve alta bem mais modesta (2,54%). Isso decorreu do efeito nocivo da elevação do custo de produção em virtude sobretudo da alta no mercado de grãos, tornando as margens dessas atividades bastante apertadas, principalmente no mercado de suínos e aves, onde muitos produtores já incorrem prejuízos para manter a atividade.
Fatores como a recuperação econômica global pós-pandemia, a alta demanda chinesa em virtude da recomposição dos rebanhos suínos impactados pela Peste Africana, e os baixos estoques tem contribuído significativamente com o movimento de alta de preços globais, levando analistas do setor a considerarem este momento como o início de um novo ciclo de “boom das commodities”, de duração ainda indefinida. E essa perspectiva não deve ter um recrudescimento a curto prazo, dada impossibilidade de se responder a alta demanda com crescimento de produção de maneira rápida, além de fatores como a quebra da segunda safra milho já mencionada.
Essa aparente “bonança externa” também deve ser ponderada com relação a possíveis impactos dentro do contexto nacional. Por uma ótica de produção, o bom desempenho do campo contribui para aquecer outros setores – perspectiva que é captada exatamente pelo conceito de PIB do agronegócio. Para produzir mais, a agropecuária precisa de mais insumos e para que essa produção chegue no consumidor final, diversos serviços são utilizados.
Pela ótica do consumo, como mais de 20% das pessoas trabalhando no Brasil estão no agronegócio (dados do CEPEA/ESALQ-USP), o bom desempenho do PIB se reflete diretamente na renda desses trabalhadores e de suas famílias, que estão espalhadas por todo o Brasil. Uma parte disso se transforma em novos investimentos e poupança, outra vira consumo, novamente, influenciando positivamente outros setores econômicos.
Por outro lado, esse movimento de alta também pesa sobre o consumidor final brasileiro, elevando preços de alimentos em um momento que o país atravessa uma crise sanitária com importante impacto sobre o poder de consumo das famílias. Em 2020, o índice de preço ao consumidor amplo (IPCA-IBGE) apontou alta de 14,09% no ano para grupo “Alimentos e Bebidas”, enquanto o índice geral ficou em 4,25%. Neste ano o grupo segue em alta, mas já em menor patamar, acumulando 2,72% até junho, abaixo dos 3,77% do índice geral.
No Brasil, o problema já grave e persistente de pobreza foi agravado pela pandemia, e aumentos de preços, sobretudo de produtos alimentares, que colocam cerca de 20 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar e fome, segundo estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan). Programas de transferência de renda, como o auxílio emergencial, ainda são cruciais nesse cenário. Lembra-se que essa alta dos preços não está no controle do produtor rural brasileiro.
Portanto, esse cenário aparentemente muito positivo ao agro também traz pontos de atenção, que devem ser bem acompanhados nos próximos meses. As atenções voltar-se-ão à relação entre disponibilidade e demanda global de grãos, cuja relação apertada torna os preços globais muito vulneráveis a questões climáticas ainda não consolidadas.
(*) Leandro Gilio é economista, Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) e pesquisador do Insper Agro Global.
(**) Nicole Rennó é economista, Doutora em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (ESALQ/USP), professora da UFSJ e pesquisadora do CEPEA-ESALQ/USP