A esta altura do campeonato, o presidente já deveria ter entendido que atacar Roberto Campos, ou melhor, a diretoria do Banco Central — dado que a última decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) foi unânime — não o ajuda do ponto de vista da gestão da economia.
A língua frouxa, a retórica agressiva, assim como as afirmações sem nexo colaboraram (e colaboram) para manter o dólar mais caro, sabotando um dos desenvolvimentos que têm ajudado a segurar preços de bens industriais por aqui.
Também ajudam a impulsionar as taxas de juros futuras, que sobem apesar de toda sinalização do “maligno” BC acerca de não pretender elevar a Selic em horizonte minimamente razoável, criando empecilhos adicionais ao investimento privado, uma das molas propulsoras do crescimento sustentado.
Aumentam, por fim, os receios acerca do comando do BC a partir do fim de 2024, quando estará indicada a maioria dos membros do Copom, principalmente quanto à possibilidade de um BC submisso aos interesses político-eleitorais imediatos, repetindo o desempenho do período 2011-2016. Basta lembrar, por exemplo, da postura do BC durante a eleição presidencial de 2014, quando esperou para elevar a taxa de juros até a quarta-feira seguinte ao segundo turno, em contraste com o ocorrido em 2022, quando aumentou a Selic em meio à campanha eleitoral.
Isso se traduz em expectativas crescentes de inflação, que começam a contaminar a inflação corrente, processo que ameaça se aprofundar mais perto da troca na liderança do BC.
“Falta alguém com estatura para avisar Lula do prejuízo em que incorre ao vociferar sobre política monetária”
É cada vez mais claro que falta ao presidente da República alguém com estatura para avisá-lo do óbvio prejuízo em que incorre cada vez que abre a boca para vociferar sobre política monetária. Seria o papel de um ministro da Fazenda com alguma influência sobre o presidente, e não um seguidor a qualquer custo.
Isso dito, me pergunto às vezes se — caso Lula entendesse o tamanho do estrago que provoca — tal conhecimento o levaria a uma postura mais equilibrada.
Talvez não, confesso. É bem possível, se não provável, que seus interesses políticos de curto prazo convencessem o presidente de que, a despeito do prejuízo econômico, haveria ganhos de imagem que valeriam a pena. Em particular a possibilidade de — mantendo seu hábito de décadas — se eximir de qualquer responsabilidade por desenvolvimentos negativos.
É sempre mais fácil transferir a culpa a terceiros, especialmente a desafetos, e, de lambuja, implicar um possível adversário nas eleições de 2026, do que admitir que seu projeto econômico, baseado em gastar mais e torcer para que as receitas de alguma forma cresçam ainda mais rápido, esteja fundamentalmente errado. Todavia, realçando a miopia dessa postura, mesmo essa desculpa tem hora marcada para acabar. A partir de 2025, a condução da política monetária, provavelmente similar à adotada pelo nada saudoso Alexandre Tombini, será de responsabilidade não do próximo presidente do BC, mas do presidente da República.
Uma postura mais técnica ajudaria a isolá-lo das questões do BC, como fez Tony Blair ao garantir a independência do Banco da Inglaterra, mas vencer a miopia política é tarefa para lá de complicada.
Publicado em VEJA de 28 de junho de 2024, edição nº 2899