Amostra inédita do manto terrestre pode revelar detalhes da origem da vida
A coleta de mais de 1 quilômetro de rochas é um recorde e também deve ajudar a entender melhor da dinâmica dos vulcões
Julio Verne projetou no professor Otto e no menino Axel, personagens de um de seus romances mais famosos, Viagem ao Centro da Terra, o desejo de conhecer as profundezas do planeta. Agora, cientistas finalmente conseguiram chegar perto disso e a coleta de uma inédita amostra do manto terrestre, camada logo acima do misterioso núcleo, pode nos ajudar a compreender melhor a dinâmica dos vulcões e o surgimento da vida.
O feito foi realizado em 2023, quando a 399ª expedição do Programa Internacional de Descoberta dos Oceanos foi até a cordilheira mesoatlântica para tentar cumprir o desafio de conseguir chegar ao manto. Deu certo, mas só agora os primeiros resultados dessa análise foram publicados, na renomada revista Science.
“Usaremos essas amostras para investigar os limites da vida neste ecossistema marinho subterrâneo profundo, melhorando nossa compreensão de suas origens e ajudando a definir o potencial de vida além da Terra”, disse Gordon Southam, pesquisador da Universidade de Queensland, na Austrália, e coautor do artigo.
Por que ir até o fundo do oceano?
Entender melhor o que compõe cada camada terrestre é um dos desafios da ciência. Isso acontece porque, embora a crosta terrestre seja relativamente fina em relação às outras camadas, ela ainda é bastante espessa para a tecnologia disponível – são pelo menos seis quilômetros de rochas nos separando do manto.
No fundo do oceano, no entanto, há um atalho. Na cordilheira mesoatlântica, duas grandes placas tectônicas se separam lentamente, abrindo espaço para acessar o manto. Foi lá que os cientistas conseguiram coletar uma amostra de pouco mais de 1 quilômetros de rochas – um recorde, mesmo que pareça pequeno frente aos 2,9 mil quilômetros de espessura dessa camada de minerais aquecidas.
Por que é importante entender o manto?
As primeiras análises já revelaram alguns detalhes da composição química desse Peridotito, uma forma primitiva de rocha ígnea. Embora essas informações sejam bem mais interessantes para os geólogos do que para a população leiga, as análises posteriores poderão revelar detalhes de interesse para toda a humanidade. “Ainda há descobertas incríveis a serem feitas nas profundezas da Terra”, diz Southam. “Os dados desta expedição são apenas o começo.”
Isso acontece porque essa amostra é muito semelhante à composição do campo hidrotermal de Lost City, região de águas quentes e ricas em moléculas orgânicas onde, acredita-se, a vida pode ter surgido. Entender a formação dessas rochas e como ela interagiu com o fluxo de água, portanto, pode dar pistas importantes sobre as origens da vida.
Mas não é só isso. A amostra permitirá entender melhor como ocorre o fluxo de rochas derretidas no manto, o que será essencial para uma compreensão mais precisa do funcionamento dos vulcões, até hoje muito imprevisíveis.
Por enquanto, há poucas semelhanças entre as descobertas dos cientistas e os achados de Otto e Axel. Em ambos os casos, no entanto, não que quem diga não se tratar de grandes e interessantíssimas aventuras.