Quem se debruça agora sobre a condução que Jair Bolsonaro vem dando aos desafios da pandemia conclui que o próprio presidente melhorou as condições para a emergência de uma ampla coalizão contra ele no ano que vem. Pelo menos no segundo turno da eleição.
Bolsonaro vem se orientando por um único parâmetro desde a chegada da Covid-19. É evidente que, na visão dele, os adversários só querem mesmo é usar a pandemia para provocar o colapso econômico, e assim impedir a sua vitória em 2022. Mas tem um detalhe, uma ponta que não fecha.
Qual seria, então, a atitude racional para confrontar essa estratégia inimiga? Concentrar esforços na obtenção de vacinas. Em paralelo, apoiar medidas simples, e economicamente pouco destrutivas, de proteção individual e social (máscaras, higienização etc.), até em contraponto ao radicalismo do “lockdown até a vitória final”. E isso independeria de acreditar, ou não, no efeito curativo dos fármacos que ele propagandeia para a doença.
Mas em algum momento dessa história Bolsonaro parece ter perdido a mão, ter ficado enredado da teia dos acontecimentos, dos preconceitos, da ideologia e das pressões. Em primeiro lugar, sua inclinação ao conflito como método preferencial de ação política permitiu ao governador de São Paulo atraí-lo para uma armadilha. Talvez João Doria não venha a ser o beneficiário final, eleitoral, da birra do presidente contra a CoronaVac, mas alguém com certeza vai faturar.
“A condução da pandemia fez com que o presidente dependa mais do que antes dos erros dos adversários”
Tampouco se deve subestimar outro detalhe: Jair Bolsonaro nunca quis desafiar o núcleo duro da sua base, no qual florescem as teorias antivacina. E somam-se a outras ideias exóticas (por exemplo contra as máscaras) e à obsessão antichinesa. Um resultado prático é a grande dificuldade de o presidente ligar a imagem dele à vacinação. E até que ela vai razoavelmente, para um país que ainda não fabrica autonomamente o imunizante.
A maioria da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 sustenta a tese de Bolsonaro ter apostado, desde o início, na aceleração da imunidade de rebanho. Mas, mesmo que tenha sido isso, não explica o incômodo com as vacinas. Pois elas ajudariam, como ajudarão, a antecipar a imunidade coletiva, e portanto a reabertura e a recuperação da economia.
E não é razoável acreditar que Bolsonaro desconhecesse o efeito eleitoral negativo de centenas de milhares de mortes. A conclusão? Uma mistura de excesso de submissão à base, ou falta de liderança (dá na mesma), e erros sérios na projeção dos efeitos letais causados pela livre transmissão viral. Terá consequência eleitoral? Saberemos daqui a pouco mais de um ano.
Mas suponha-se que Jair Bolsonaro consiga a reeleição em outubro de 2022. Aí as análises com engenharia reversa concluirão que o presidente fez tudo certo, e os adversários, tudo errado. Claro que as coisas não são bem assim, todo mundo erra e acerta, e no final quem pode mais chora menos.
E a condução das políticas durante a pandemia fez com que agora Bolsonaro esteja dependendo mais que antes dos erros dos adversários. Quando lá atrás eram estes que dependiam totalmente dos erros dele.
Publicado em VEJA de 23 de junho de 2021, edição nº 2743