Publicado no Globo desta sexta-feira
MERVAL PEREIRA
O senador Renan Calheiros parece convencido de que suas palavras não precisam corresponder aos fatos, o importante, algum marqueteiro deve tê-lo convencido disso, é falar o que o povo quer ouvir, sem que seja necessário acompanhar com ações. Só isso explica que tenha ido à televisão nos últimos dias do ano passado para falar em “transparência” e “controle social” no mesmo momento em que o noticiário denunciava que mais uma vez ele usou um avião da FAB para uso pessoal bizarro: fazer um implante de cabelo em Recife.
É claro que ele gravou a declaração de fim de ano com antecedência, e não poderia imaginar que seria apanhado mais uma vez com a boca na botija antes mesmo de seu pronunciamento ir ao ar. Se desse tempo, poderia ter aproveitado o pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão para pedir mais uma vez desculpas ao povo brasileiro.
Renan parece estar sempre às voltas com incongruências quando se tratam de palavras e ações, e mesmo quando cita supostas medidas corretivas ditadas “pelas vozes das ruas”, revela defeitos de nossos congressistas que são consertados apenas quando denunciados pela grande imprensa, como o fim dos 14º e 15º salários dos parlamentares, e o fim do voto secreto em casos de cassação de mandato e vetos presidenciais.
Para a fala oficial do presidente do Senado, esses são exemplos de que “a transparência e o controle social ajudam a corrigir erros, eliminar vícios e distorções”. Ele falava como se fosse o boneco do ventríloquo, o marqueteiro Elsinho Mouco, o preferido do PMDB segundo os bastidores de Brasília, enquanto fora de seu mundo virtual as denúncias de sua viagem pelas asas da FAB para o implante capilar corriam soltas.
Pois não passa de um “vício” essa sua mania de andar de avião sem pagar, só o fazendo depois de apanhado em flagrante. E mesmo assim ele e outros colegas seus inauguraram uma nova maneira de enganar o distinto público: pagar o preço de uma passagem comercial pelo “aluguel” de um jatinho exclusivo, o que evidentemente é muito mais caro. Mas quem se atreve a cobrar o devido ao presidente do Congresso?
Depois das manifestações de junho, Renan Calheiros bem que tentou se mostrar atento às vozes da rua, mas deletou da memória o 1,5 milhão de pessoas que pediram sua saída da presidência do Senado em abaixo-assinado. Ao mesmo tempo em que começou a retirar da gaveta projetos que por lá repousavam há muito tempo, foi flagrado no ato de utilizar um avião da FAB para ir ao casamento da filha do líder do PMDB Eduardo Braga, em Trancoso na Bahia.
Calheiros na ocasião garantiu que sempre usara o avião “para representação, como presidente do Senado”, fingindo desconhecer, como agora, que o decreto 4244 de 2002 limita a utilização dos aviões da FAB, a “motivo de segurança e emergência médica, em viagens a serviço e deslocamentos para o local de residência permanente”.
Seu melhor argumento para o retorno à presidência do Senado, sete anos depois do escândalo que o apeou do mesmo cargo, era que já havia sido absolvido pelo Conselho de Ética e que nenhuma denúncia da época havia prosperado, por falta de base. Era inocente, portanto, e tinha o caminho livre para reassumir o cargo que lhe teria sido tirado “indevidamente”.
O procurador-geral da República de então, Roberto Gurgel, o denunciou criminalmente, poucos dias antes da eleição, justamente pelas provas que apresentou para justificar a capacidade de pagamento de uma pensão alimentícia de um filho fora do casamento. Com notas de vendas de gado apontadas como frias, Calheiros queria provar que não precisava pedir a um lobista amigo ligado à empreiteira Mendes Júnior para pagar a pensão de seu filho, conforme a acusação original.
A vida do senador Renan Calheiros parece andar em círculos, o que não impede de progredir na política. Agora mesmo, deve sair candidato ao governo de Alagoas, com boas chances de se eleger, e o apoio do senador Collor de Mello, o mesmo que quando presidente da República deu um golpe político em Renan, um de seus principais líderes, impedindo-o de se candidatar ao governo estadual.