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Augusto Nunes

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‘Não tem nada de mais’, um texto de Carlos Alberto Sardenberg

PUBLICADO NO GLOBO DESTA QUINTA-FEIRA CARLOS ALBERTO SARDENBERG Dez anos atrás, em uma estrada na Inglaterra, o consultor Chris Huhne excedeu-se um pouco na direção de seu BMW. Nem foi tanto assim: estava a 111 km/hora, quando o limite era de 95km. Mas a câmera flagrou e a multa chegou à casa de Huhne.

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 05h49 - Publicado em 6 jul 2013, 19h00

PUBLICADO NO GLOBO DESTA QUINTA-FEIRA

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

Dez anos atrás, em uma estrada na Inglaterra, o consultor Chris Huhne excedeu-se um pouco na direção de seu BMW. Nem foi tanto assim: estava a 111 km/hora, quando o limite era de 95km. Mas a câmera flagrou e a multa chegou à casa de Huhne.

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Nem era tanto dinheiro, mas os pontos fariam com que ele perdesse sua carteira de motorista. Como sua mulher, a economista Vicky Pryce,  estava com pontuação baixa, pediu a ela que assumisse a culpa. Não custava nada, não é mesmo? Quanta gente não faz isso?

Vicky topou e a vida seguiu. Seguiu bem. Huhne tornou-se ministro do Meio Ambiente e Vicky, economista chefe do governo de David Cameron. No pessoal, porém, as coisas se complicaram. Huhne se encantou com uma assessora de campanha e separou-se da mulher com quem estava havia 26 anos.

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Acontece, não é mesmo? Vicky, porém, parece não ter se conformado. Não se sabe se por vingança ou por descuido, em 2011, contou em uma entrevista ao jornal Sunday Times aquele episódio da troca da multa.

Para encurtar a história: Huhne teve de renunciar ao cargo de ministro, foi processado por obstrução à justiça e condenado, no início deste ano, a oito meses de prisão.

Ministros não podem se comportar desse modo, mesmo antes de serem ministros, tal foi a conclusão política e ética. Parece meio sem sentido,  mas, lembrem-se: pelas regras de nosso Congresso, se o parlamentar cometeu um crime antes de ser parlamentar, não tem nada demais, não é caso de quebra do decoro parlamentar.

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Por isso mesmo, contamos esta história. No último sábado, o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, mandou chamar um jatinho da FAB para Natal e lá mandou embarcar, na sua companhia, a namorada, um cunhado, uma concunhada, um filho e dois enteados. Toca para o Rio de Janeiro, ordenou.

No Rio, a comitiva passeou e no domingo foi ao Maracanã ver o Brasil ser campeão. Todos embarcaram de volta à noite, incluindo-se na comitiva um amigo do cunhado.

Ontem, a Folha de S. Paulo contou a história. O deputado Henrique Eduardo Alves respondeu ainda de manhã. Disse que ele tinha serviço no Rio ─ um almoço com o prefeito Eduardo Paes e o senador Aécio Neves, no sábado ─ por isso tinha direito ao jatinho. Mas disse que embarcar todo aquele pessoal foi um “equívoco” e que “por dever, imediatamente, o corrige”. Como? Vai pagar as passagens. Do próprio bolso!

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Quer dizer que ele não sabia que não podia levar a turma no jatinho? E que só ficou sabendo depois que a história saiu na imprensa?

Imaginemos a cena. O assessor leva o jornal ao deputado e ele, intrigado: mas por que essa publicidade toda? Não posso levar ninguém no jatinho do FAB? E o assessor: Infelizmente, não pode, senhor presidente. E ele: puxa, por que não me avisaram antes? Mas não tem problema, eu pago as passagens.

O deputado acrescentou que já mandara apurar o “valor médio” das passagens e que reembolsaria a FAB. E tudo resolvido. Qual é? Não tem nada demais, pessoal, está pago.

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Reparem: depois de todas as manifestações que colocaram os políticos na marca do pênalti, o presidente da Câmara acha que não tem nada demais usar o jatinho da FAB, pago com o dinheiro dos manifestantes, numa viagem do seu pessoal no final de semana.

Mostra como o patrimonialismo está na alma dos políticos. Se você não pode usar o dinheiro público, de que serve ser autoridade, não é mesmo?

Apanhado, o deputado classifica o uso do dinheiro público em benefício pessoal como um simples “equívoco”, a ser resolvido ali no ato, “por dever”.

Quer dizer que se um homem público desviar o uso de dinheiro público ─ pois é disso que se trata ─ admitir o erro e pagar, conforme a conta que ele mesmo faz, fica tudo bem?

O britânico Chris Huhne deveria ter consultado os políticos brasileiros. Diriam a ele: admita o erro, pague a multa de novo, devolva a carteira num ato solene e deixe a cena do crime, quer dizer, do caso, com ar altivo.

Também pelos padrões de Henrique Eduardo Alves, os dois ministros do governo alemão que se demitiram depois de terem sido acusados de plágio em teses acadêmicas, apresentadas muitos anos atrás, foram dois idiotas. Era só admitir o equívoco. E devolver os títulos universitários.

A sério: nesse ambiente de resposta às ruas, cabe um boa moralização no uso de veículos pelas autoridades. As regras atuais são vagas o suficiente para permitir qualquer farra. Mas a ética política deve ou deveria valer mesmo sem regras escritas.

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