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Augusto Nunes

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‘Razão e bom senso’, um artigo de Fernando Henrique Cardoso

PUBLICADO NO ESTADÃO DESTE DOMINGO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Apesar de parecer difícil guardar otimismo e manter esperanças diante do quadro atual de crise financeira e desatinos políticos, sempre se há de tentar construir um futuro melhor. Descartes dizia que o bom senso é a coisa mais bem distribuída entre as pessoas. Em sua época, bom […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 06h31 - Publicado em 7 abr 2013, 14h29

PUBLICADO NO ESTADÃO DESTE DOMINGO

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Apesar de parecer difícil guardar otimismo e manter esperanças diante do quadro atual de crise financeira e desatinos políticos, sempre se há de tentar construir um futuro melhor.

Descartes dizia que o bom senso é a coisa mais bem distribuída entre as pessoas. Em sua época, bom senso equivalia à razão. Na linguagem atual corresponderia a dizer que o coeficiente de inteligência (QI) se distribui entre todas as pessoas seguindo uma curva que se mantém inalterada no tempo, geração após geração. Será? É possível e mesmo provável. Mas bom senso implica também inteligência emocional e prudência ao tomar decisões. Não basta ser inteligente, é preciso ser razoável e prudente para evitar que as paixões se sobreponham à razão. É preciso ter juízo.

Ora, no mundo em que vivemos, pelo menos neste momento, parece grande o risco de ações impulsivas comprometerem o que é razoável. Quando ainda se podia crer que havia uma “lógica econômica” para justificar ações de força  por exemplo, na época do colonial-imperialismo , a repulsa ao inaceitável (a subordinação de povos à acumulação de riquezas) vinha seguida da explicação “lógica” do porquê das ações: o objetivo seria acumular riquezas e expandir o capitalismo. Mas, e agora, quando a Coreia do Norte bravateia (e quem sabe o que fará) que pode arrasar o Sul e mesmo atingir a costa oeste dos Estados Unidos, qual é a lógica? E que dizer do dr. Bashar Assad, que fechou sua clínica médica em Londres para substituir o pai no poder e bombardeia seus conterrâneos há dois anos?

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Fossem só esses os exemplos… Mas, não. Na pequena Chipre, cujo sistema bancário se tornou abrigo para capitais de procedência discutível, quando não claramente resultantes da corrupção e da evasão fiscal, vê-se um governo que, sem mais essa nem aquela, temeroso da pressão dos controladores financeiros da União Europeia (UE), não tem ideia melhor do que expropriar os depositantes  sejam ou não proprietários de capitais de origem discutível. Embora menos flagrantemente absurdo, o mau manejo financeiro e fiscal na UE não está levando os povos ao desespero, tanta a injustiça de fazer com que quem não tem culpa pague pelo desatino de governos e financistas?

Ainda bem que nem tudo é desatino. Barack Obama, ao tomar posse de seu primeiro mandato, disse que os EUA deveriam investir mais em ciência e tecnologia e preparar uma revolução produtiva baseada na energia limpa, juntando conhecimento e inovação com a possibilidade de a economia crescer sem destruir o meio ambiente. Na semana passada renovou a crença e parece que seu país está saindo da crise iniciada em 2008 fazendo o que era necessário: abrindo novas áreas de investimento, alterando a geopolítica da energia e, quem sabe, deixando para trás os tremendos erros que levaram à explosão dos mercados financeiros.com. Será? Torçamos para que desta vez prevaleça não só a razão cartesiana, mas o bom sentido comum e se entenda que mercados sem regulação levam à irracionalidade.

Quanto a nós, brasileiros, parece que tampouco aprendemos muito com equívocos voluntaristas do passado. Somos reincidentes. Juntamos aos impulsos movidos por boa vontade certa grandiosidade que não corresponde à realidade. Ao desejar sair da ameaça de baixo crescimento econômico a todo custo, vão sendo anunciados a cada dia novos planos e programas. Entretanto, só saem do papel morosamente e muitas vezes, nem isso. Por quê?

Talvez porque acreditemos demais em grandes planos salvadores e menos no método, na rotina, na persistência e na inovação para acelerar o caminho. O governo, por exemplo, percebeu que o futuro depende do conhecimento e que existe um quase apagão de gente qualificada para o país encarar o futuro com maior otimismo. Logo, havia que propor a “grande solução”: em vez de termos minguados 8.500 bolsistas no exterior, passaríamos logo a 100 mil em quatro anos! Resultado: uma profusão de bolsas, um menoscabo da capacidade universitária já instalada e o envio ao exterior de muitos que nem sequer conhecem bem a língua do país onde vão estudar.

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Do mesmo modo, ao se descobrir que havia óleo na camada do pré-sal largamos o etanol, esquecemos que os poços se extinguem, não investimos suficientemente nas áreas fora do pré-sal e desdenhamos o que de novo pode ter havido no mundo, como as inovações na extração do óleo e do gás do xisto, como fizeram os americanos. Claro que ainda há tempo para recuperar o tempo perdido e retomar a esperança. Mas se, em vez de cantar loas ao que ainda não é palpável e dedicar tanto tempo à briga pelos futuros royalties do petróleo, tivéssemos, sem muito bumbo, discutido metodicamente as melhores alternativas energéticas, inclusive as do petróleo, e tivéssemos apoiado mais a pesquisa e a inovação, provavelmente sentiríamos menos angústia por oportunidades perdidas.

O comentário vale para toda a infraestrutura econômica. Ah, se tivéssemos preparado leilões bem feitos para as concorrências nas estradas, nos portos, nos aeroportos, e assim por diante, poderíamos ter evitado o desperdício de parte “da maior safra de grãos da história” pelas péssimas condições de transporte e embarque dos produtos.

Para remediar propõem-se sempre mais projetos grandiosos e tanto o governo como seus arautos se perdem em discursos grandiloquentes. Não é isso o que ocorre também com as medidas para enfrentar as ameaças de uma ainda mais alta inflação? Imediatismo e atropelo na concessão de subsídios, isenções e favores substituem a pachorrenta persistência numa linha de conduta coerente que, menos espalhafatosamente, possa levar o país a dias melhores.

Estes, entretanto, são possíveis. O xis da questão é simples de ser formulado, difícil de ser executado: como passar da quantidade para a qualidade, do palavrório para uma gestão prática; como, em vez de animar uma sociedade de espetáculos (nunca na História…), construir uma sociedade decente, na qual a palavra corresponda a fatos, e não a piruetas virtuais. Continuo a crer que é possível. Mas é preciso mudar de guarda. Esperemos 2014.

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