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Augusto Nunes

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“Ele pagava tudo!”

PUBLICADO NA EDIÇÃO IMPRESSA DE VEJA RODRIGO RANGEL Durante sete anos, o empresário Marcos Valério assombrou os petistas com a possibilidade de revelar segredos que guarda do tempo  em que era recebido com todas as honras de autoridade nos gabinetes mais exclusivos de Brasília. Condenado a quarenta anos de  prisão, ele foi à Procuradoria-Geral da República e prestou um longo e estarrecedor depoimento. […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 07h12 - Publicado em 16 dez 2012, 12h53

PUBLICADO NA EDIÇÃO IMPRESSA DE VEJA

RODRIGO RANGEL

Durante sete anos, o empresário Marcos Valério assombrou os petistas com a possibilidade de revelar segredos que guarda do tempo  em que era recebido com todas as honras de autoridade nos gabinetes mais exclusivos de Brasília. Condenado a quarenta anos de  prisão, ele foi à Procuradoria-Geral da República e prestou um longo e estarrecedor depoimento. Contou que o PT cobrava propina de empresas que tinham contratos com o Banco do Brasil, que o partido recebeu dinheiro ilegal do exterior, que o governo foi  chantageado por criminosos e que ele, que sabia de tudo isso, foi ameaçado de morte para manter o silêncio ─ informações  verossímeis, mescladas com acusações graves, que permitem supor que a quadrilha do mensalão era maior, movimentou muito mais dinheiro do que se descobriu até hoje e tinha tentáculos fora do Brasil. A revelação mais surpreendente, no entanto, envolveu o ex-presidente Lula. Marcos Valério já havia dito que Lula não só sabia como autorizara o funcionamento do maior esquema de corrupção política da história. Agora, o publicitário afirma que dinheiro do mensalão também pagava contas pessoais do ex-presidente.

Marcos Valério era o principal operador da quadrilha que desviou 150 milhões de reais dos cofres públicos para subornar parlamentares e comprar apoio político no Congresso. Pagará na cadeia pelos crimes que cometeu. Parceiro preferencial do PT que  ascendeu ao poder, o publicitário também é um exímio jogador, um especialista na arte da ameaça. Quando o mensalão foi descoberto, ele cobrou dos petistas milhões de reais em troca do seu silêncio. Quando o caso se tornou um processo judicial, mercadejou o mesmo silêncio em troca de ajuda no STF ─ se não a absolvição, pelo menos a condenação a penas brandas. O ex-presidente Lula, que se comprometera a redimir os mensaleiros, não conseguiu cumprir a promessa. Condenado, Valério passou a revelar seus segredos. À medida que a prisão se aproxima, ele conta mais detalhes desse enredo criminoso. Valério pode estar  mentindo? Pode. Mas pode estar falando a verdade, como quando listou os beneficiários do mensalão.

Na semana passada, o jornal O Estado de S. Paulo divulgou o teor do depoimento prestado pelo empresário à Procuradoria-Geral da  República, em setembro, no qual ele afirma que o mensalão pagou despesas pessoais do então presidente. É a primeira vez que um dos protagonistas do esquema faz essa acusação direta. Valério contou aos procuradores que fez dois pagamentos no início de 2003. Em ambos os casos, disse ele, o dinheiro foi depositado na conta de uma empresa de segurança cujo dono é Freud Godoy, amigo e segurança de Lula desde os tempos de sindicalismo. Valério não detalhou os pagamentos. Disse apenas que um deles foi de cerca de 100 000 reais. A CPI dos Correios, que investigou o mensalão, já havia mapeado uma dessas transferências feitas por uma das agências de Marcos Valério para a empresa de Freud Godoy, mas até hoje não se sabia o destino do dinheiro. Em depoimento à Polícia Federal, Godoy disse ter prestado serviços de segurança à campanha presidencial de 2002, embora tenha admitido que sua empresa não possuía um funcionário sequer. Quando foi receber o pagamento devido, o PT teria recomendado que ele procurasse Marcos Valério. O publicitário agora desmente essa versão. O dinheiro, segundo ele, tinha o ex-presidente Lula como destino.

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Freud Godoy gozava da intimidade de Lula. No primeiro mandato, ele chegou a ter uma sala dentro do Palácio do Planalto. Também transitava com desenvoltura pela máquina partidária. Sua empresa de segurança, a Caso, a mesma que recebeu dinheiro de Valério,  virou uma espécie de sucursal do partido e aparece como destinatária de dinheiro da Bancoop, uma cooperativa habitacional dirigida  por petistas, e de recursos da verba indenizatória à disposição dos parlamentares. Godoy se tornou um receptor privilegiado de dinheiro público e privado. Segundo Valério, ele era apenas um caixa intermediário: “Ele (Freud) é cozinha desse sujeito (Lula). Ele  pagava tudo! Era o cara que carregava tudo pra ele”, disse o operador do mensalão, com a credencial de quem, como Godoy, tinha  trânsito livre nos escaninhos do poder. Além de afirmar que o mensalão pagou despesas pessoais de Lula, Valério confirmou no depoimento à Procuradoria informações divulgadas por VEJA em setembro. Ele manteve a versão de que o ex-presidente avalizou os empréstimos fraudulentos contraídos pelo PT para subornar parlamentares e acusou Paulo Okamotto, diretor do Instituto Lula, de ameaçá-lo, inclusive de morte, caso implicasse o ex-presidente no esquema.

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ainda não anunciou que providências tomará a partir das revelações de Valério. Só  deve fazer isso depois de encerrado o julgamento do mensalão no STF. Marcos Valério, agora oficialmente delator e em busca de  proteção das autoridades, se define como um alvo ambulante. “Eles vão me matar”, disse, aos gritos, referindo-se aos integrantes da  cúpula petista, antigos parceiros e agora seus inimigos íntimos. Só uma investigação rigorosa será capaz de tirar essa dúvida ─ e  verificar até que ponto a biografia do ex-presidente da República foi maculada. Para passar a história a limpo, porém, basta respeitar  a velha máxima e seguir o rastro do dinheiro que foi depositado pelo operador do mensalão nas contas da empresa de Freud Godoy. Já houve uma tentativa nesse sentido. O elo entre Valério e Godoy fora objeto de investigação no inquérito em curso no STF para apurar aquilo que não ficou esclarecido no processo do mensalão. O ministro Joaquim Barbosa, relator também desse inquérito, chegou a autorizar a quebra do sigilo bancário da empresa de Freud. O extrato da conta poderia indicar o destino dado ao dinheiro. Mas, num lapso, o número da conta enviado ao banco junto com a ordem judicial de quebra de sigilo estava errado. Resultado: a  polícia encerrou o inquérito sem receber os extratos da empresa de Freud. A falha foi atribuída a um perito que integrava a equipe  encarregada do inquérito.

O ex-presidente Lula não quis falar sobre o caso. Em Paris, disse apenas que eram “mentiras” as declarações de Valério. A presidente  Dilma Rousseff foi-lhe solidária: “Considero lamentáveis as tentativas de desgastar a imagem do presidente Lula”. Estimulados pelos dois maiores líderes do partido, os petistas foram a campo para evitar uma investigação sobre as novas informações. Lançaram mão  de dois argumentos. Valério, por ser condenado, por ser um “delinquente”, não merecia crédito. Pelo mesmo raciocínio, não merecem crédito as críticas que faz à Justiça o mensaleiro condenado à prisão José Dirceu. Os petistas também ecoaram a cantilena da necessidade de defesa do legado de Lula no combate à miséria e à desigualdade social. Não é disso que se trata. O ex-presidente  está sendo acusado de beneficiar-se pessoalmente de um esquema de corrupção. O foro, portanto, é o criminal. Como ninguém está acima da lei, nem mesmo os recordistas de popularidade, só uma investigação rigorosa será capaz de demonstrar se Valério fala a verdade ou age como um desesperado diante da iminência de passar boa parte da vida na prisão.

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As contas do presidente

Valério diz que repassou dinheiro para pagar contas pessoais de Lula

Já se sabia que, em 2003, a empresa Caso, de Freud Godoy, amigo e assessor do ex-presidente Lula, recebera um  depósito de 98 500 reais da SMPB, a agência usada por Marcos Valério como caixa clandestino do mensalão.  Perguntado, Godoy (ao lado) jurou que o dinheiro era um simples ressarcimento por serviços de segurança prestados à  campanha presidencial do PT de 2002. No depoimento à Procuradoria-Geral da República, no entanto, Marcos Valério  revelou que o dinheiro enviado por ele ao amigo de Lula tinha outra finalidade: quitar despesas pessoais do ex-presidente. Se o publicitário exibir provas de que fala a verdade, Lula também teria se beneficiado dos recursos públicos  desviados pelos petistas para o caixa do mensalão. Valério conta mais. Segundo ele, Freud Godoy pagava todas as  despesas do ex-presidente.

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Ameaça de morte

O braço-direito de Lula teria ameaçado Valério para que ele mantivesse o silêncio

Marcos Valério também revelou em depoimento que foi ameaçado de morte por Paulo Okamotto (acima), o atual diretor  do Instituto Lula e amigo do ex-presidente. Valério relatou no depoimento que Okamotto o procurou em 2005, dias  depois das primeiras revelações sobre a existência do escândalo do mensalão. No encontro, o braço-direito do  presidente teria dito que procurava o publicitário por ordem de Lula com o objetivo de transmitir-lhe um recado: “Ou  você se comporta, ou você morre”. Traduzindo: para continuar vivo, Valério deveria manter segredo de tudo o que sabia sobre o mensalão. Além da ameaça, ele garante que recebeu uma contrapartida financeira pelo silêncio. O PT teria  repassado 4 milhões de reais para bancar as despesas com os advogados do publicitário.

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Caso Santo André

Lula e Gilberto Carvalho eram vítimas de chantagem

Reportagem de VEJA já havia revelado que Marcos Valério contava que fora convocado pelo PT, em 2003, para dar fim  a uma chantagem contra o governo Lula e, principalmente, contra o seu então chefe de gabinete, Gilberto Carvalho  (acima). O empresário Ronan Maria Pinto, segundo o publicitário, ameaçava envolver o partido, o presidente e o chefe  de gabinete no até hoje misterioso assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel (no alto). No depoimento, Valério confirmou que o então secretário-geral do PT, Silvio Pereira, lhe pediu 6 milhões de reais para resolver o problema. Ele reafirmou que não quis se envolver na história, mas que o dinheiro da chantagem acabou sendo pago pelo pecuarista  José Carlos Bumlai (à direita), outro amigo do ex-presidente Lula, por meio de um empréstimo contraído no Banco  Schahin.

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Um negócio da China

O PT recebeu 7 milhões de reais clandestinamente da Portugal Telecom

Uma das evidências processuais mais contundentes para mostrar como se organizava a quadrilha chefiada pelo  ex-ministro José Dirceu foi uma reunião ocorrida em Lisboa, que teve a participação de Marcos Valério e do então presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta (na foto com o ex-presidente Lula). Já se sabia que o motivo do encontro era buscar dinheiro para entregar ao PTB de Roberto Jefferson. Em seu depoimento, Valério acrescenta detalhes da  operação. Ele revela que o ex-presidente Lula e o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, combinaram que uma  fornecedora da Portugal Telecom em Macau, na China, transferiria 7 milhões de reais aos petistas. Valério disse que o  dinheiro entrou no Brasil pelas contas de publicitários que prestaram serviços a campanhas do PT.

Colaborou Robson Bonin

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