Deonísio da Silva
A primeira frase do homem ao pisar na Lua foi “good luck, Mr. Gorsky” (Boa sorte, senhor Gorsky) e não “é um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade”.
Quem a proferiu foi o astronauta Neil Armstrong, conversando com apenas uma das seiscentas milhões de pessoas que naquela noite memorável assistiam ao famoso desembarque.
Na infância, ao buscar uma bola que caíra sob a janela de um vizinho chamado Gorksky, o menino e futuro astronauta ouvira da vizinha a seguinte frase dita ao marido: “sexo oral, você quer sexo oral? Só quando o filho do vizinho pisar na Lua”. Tinha sido um modo delicado e metafórico de negar, mas ela jamais poderia imaginar que o menino um dia chegaria à Lua. Fiz uma crônica sobre esta variante e ela pode ser lida no portal do Instituto da Palavra, onde são publicadas todas as colunas que faço aqui semanalmente.
Já estava, então, muito batida a primeira frase proferida na Lua e, mais escritor do que professor, resolvi seguir o conselho: “Quando a lenda for mais interessante do que a realidade, imprima-se a lenda”. A recomendação aparecera em 1962 no filme O homem que matou o facínora, do celebérrimo cineasta americano Sean Aloysius O’Fearna ou John Martin Feeney, mais conhecido como John Ford.
Mas as frases talvez não sejam nem do cineasta nem do roteirista Warner Bellah, mas, provavelmente uma variante de “o importante não é o fato, mas a versão”, proferida décadas antes pelo político mineiro José Maria Alkmin, muito esperto, todavia não mais do que o seu conterrâneo Benedito Valadares. Este, ao repeti-la e atribuir a si mesmo a autoria, ouviu de Alkmin: “Eu invento a frase, você a repete e agora todo mundo diz que é sua”. E Benedito Valadares – também presente na expressão “mas será o Benedito?”, porque os mineiros ficaram surpresos pelos murmúrios de que Getúlio Vargas o escolheria para interventor em Minas Gerais – respondeu fechando a questão: “Isso prova que a frase está certa”. (ver texto de Ruy Castro aqui: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1212200905.htm)
Todavia o filósofo alemão, Friedrich Nietzsche, que nasceu na Prússia no século anterior, já escrevera: “Não há fatos, há apenas versões dos fatos”. E, se pesquisar um pouco mais, talvez encontremos a frase despretensiosamente dita por um escritor greco-latino ou por um sábio chinês.
Todos nós somos de lua? A Lua também é de lua nos relatos que dela se fazem há vários milênios. “Noite alta, céu risonho, a quietude é quase um sonho”, dizem famosos versos de nosso cancioneiro, uma vez que songbook é visita estranha ao Português. A Lua pode ser o astro protetor dos amores, mas também pode marcar flagelos para a Humanidade, a começar pelos eclipses. Desabam narrativas controversas, seja quando a deusa irrompe no imaginário mitológico ou religioso, seja quando “o luar cai sobre a mata,/ qual uma chuva de prata,/ De raríssimo esplendor”.
Ainda ontem (20 julho 2019), lembrei em artigo para O Globo o berço provável da expressão que diz ser sortudo quem nasce com o bumbum virado para a lua. Nasce corretamente quem vem ao mundo de ponta-cabeça. Sempre tinha sido indício de sorte nascer de ré, apontando primeiramente o bumbum e ainda assim sobreviver, num tempo em que a mortalidade infantil era estratosférica.
Mas por que a Lua entrou na expressão? Provavelmente porque, sendo deusa, já era dos namorados e dos casais ainda na concepção, e os partos noturnos, antes da invenção do fogo e mesmo depois, poderiam ter acontecido à luz da Lua ou por ela presididos como entidade divina e protetora, quando as mães se escondiam fora da habitação para ter os filhos. Passaram a tê-los dentro de casa, com as parteiras, e hoje os partos voltaram a ser feitos fora de casa, nas maternidades.
A palavra aborto e o verbo abortar são invocados tantos na gravidez quanto nos voos interrompidos. E se desse errado a viagem à Lua? O então presidente Nixon leria um texto que, entre outras coisas, dizia: “Nos dias antigos, os homens olhavam para as estrelas e viam seus heróis nas constelações. Nos tempos modernos, fazemos o mesmo, mas nossos heróis são homens épicos de carne e osso”.
Resumindo, ainda que os astronautas não voltassem de lá, a Lua teria sido alcançada por um artefato feito por homens, dos quais dois tinham lá desembarcado para morrer nos braços dela. E o presidente dos EUA que mais fez para que chegassem lá, John Kennedy, não foi aquele que celebrou o êxito da missão.
O Céu que nos protege ou nos prejudica tem mostrado que as coisas aqui na Terra são assim: nos grandes projetos, o semeador sai a semear a sua semente, mas raramente é ele quem colhe o que plantou.
*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
https://portal.estacio.br/instituto-da-palavra