Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Imagem Blog

Augusto Nunes

Por Coluna Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

Arnaldo Jabor: Não há fichas limpas

Somos uns miseráveis cercados de miseráveis por todos os lados

Por Branca Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 22h27 - Publicado em 21 jun 2016, 17h00

Publicado no Globo

Não, não sei mais analisar a situação brasileira. Os fatos estão muito à frente de qualquer interpretação, que é sempre fugaz, com uma lógica que se perde em poucos instantes.

A sensação que tenho — estamos reduzidos a sensações — é que os hábitos tradicionais do velho patrimonialismo brasileiro, com suas teias ocultas de escândalos, estão arrebentando juntos e irrompendo da lama escondida por séculos.

Uma das razões é que nossa corrupção deslavada, nosso secular desgoverno se fragilizaram neste mundo contemporâneo global e digital. Nosso atraso ficou atrasado. As informações na velocidade da luz fizeram a opinião pública acordar sem saber bem para que ainda, mas já é um avanço.

Continua após a publicidade

Aquele estranho país, oscilando desde sempre entre o público e o privado, está deparando com um perigo: a própria ideia de “país” está ameaçada, se esgarçando com ilhas de civilização cercadas de miséria por todos os lados. Instituições continuariam existindo, mas sem poder para regular a vida social.

A consciência do desastre é grande, mas ninguém sabe o que colocar no lugar da merda que está aí. Não sabe porque talvez não haja. Como traçar um plano político onde a política se desintegrou? O Brasil é uma quadrilha. Todos estão implicados de algum modo. Nunca existiu vida sem o Caixa 2. Nisso, o Lula acertou. Esse era o método de funcionamento “normal”. Era impossível um político ignorar isso. Era normal. Agora, estão abertos os intestinos da pátria que nos pariu. E surge mais uma verdade óbvia: não há inocentes para ocupar cargos públicos. Todos são cúmplices. Não há fichas limpas. O Temer sabe disso e inteligentemente nomeou a melhor equipe econômica que já tivemos, sem contar líderes como Meirelles, Serra, Maria Silvia Bastos, Pedro Parente etc. Eles partiram para impor o óbvio na economia destroçada pelos ladrões e imbecis. Conseguirão?

A Lava Jato está matando o velho país vira-lata, graças a Deus, mas como salvá-lo, como organizar um país melhor? Tudo funcionava mal, mas funcionava pelas regras da velha roubalheira analógica. Havia até uma certa doçura nos ladrões de galinha. Depois do PT, tudo enguiçou. Sempre achei que o PT no poder seria uma previsível ladainha de slogans comunas, de voluntarismo, de gastos públicos malucos, mas nunca supus que eles pudessem causar um estrago desse porte, com 170 bilhões de buracos negros no Estado. Isso foi o resultado da estupidez ideológica aliada à direita mais feudal do país, de Lenin a Sarney. O PT não me decepcionou apenas por seus erros; ele me fez descrente da raça humana.

Continua após a publicidade

E vamos combinar: já há uma catástrofe. Queremos não ver, mas a evidência é perturbadora. O país foi metodicamente danificado econômica e socialmente. Eu e provavelmente muitos de vocês leitores não vamos sofrer tanto com a estagflação que vivemos. Agora, os que não lerão esta coluna, milhões de desvalidos, vão sentir na carne o novo estilo para a miséria. Vem aí a nova miséria — um “arrière-goût”, um toque de… África e Índia. Sim.

A miséria era o grande capital do governo Lula. O PT sempre teve ciúmes da miséria. Sempre que o FHC tentou cuidar da miséria, o PT reagiu como um marido enganado.

Antes, havia uma miséria “boa”, controlável. Tínhamos pena, ela aplacava nossa consciência, desde que ficasse no seu lugar. A miséria tinha uma “função social”. Achávamos que nosso escândalo ajudava os pobres de alguma forma. Para nós pequenos burgueses, a miséria era bandeira abstrata, a miséria dos outros era nosso problema existencial. O fim das ilusões gerou um desalento que dá lugar a um alívio quase feliz.

Continua após a publicidade

A situação é gravíssima e ninguém sabe como revertê-la. Como imaginar esse Congresso sujo aprovando reformas e ajustes contra o atraso, justamente eles que desejam o atraso, tão propício a roubalheiras mais tradicionais? O escândalo foi desmoralizado — estamos sendo arrasados pela “normalidade”. Isso. Estamos nos acostumando a essa anomalia e vamos aceitando a crescente desgraça com fatalismo ou cinismo: tinha que ser assim ou dane-se…

E aí surge a turma do “precisamos”, da qual eu faço parte, tristemente. “Precisamos” disso, daquilo, mas ninguém sabe como resolver. Não temos agentes executores da política do “precisamos”.

“Precisamos” resolver o problema da administração nos estados e municípios, que já estão sem verbas para pagar os funcionários públicos, os hospitais sem remédio, os limpa-fossas, sei lá. “Precisamos” combater a violência, mas nada funciona para impedir o crime crescente. A polícia não tem dinheiro. Os criminosos têm grana para comprar até canhões antiaéreos no Paraguai. Não é que a violência vai apenas crescer; não há como impedi-la, com traficantes vagando de metralhadora no Centro da cidade, estuprando e matando.

Continua após a publicidade

Como imaginar um plano possível para salvar e melhorar as favelas no Rio ou Recife ou Alagoas, em todas as cidades principais, para além das UPPs? O que fazer? Cartas para a Redação.

Esta crise é especial, talvez invencível.

Em geral, as crises surgem, acontecem e, quase sempre, somem. Acabam. Até a terrível ditadura tinha um fim previsível, mas, depois de 12 anos de absurdos do PT, esta crise agora é de areia fina, de areias movediças; ela talvez não acabe, pois não tem um defeito único a combater — é uma miscelânea de crimes históricos. A crise não tem um inimigo só — é um ramalhete de equívocos.

Continua após a publicidade

A miséria é a ponta suja de uma miséria maior. Nós fazemos parte dela. O Brasil está contaminado de misérias. Não existe um mundo limpo e outro sujo. Um infecta o outro.

A burocracia é miséria, a corrupção é miséria, a estupidez brasileira é miséria. A miséria não está nas periferias e favelas; está no centro da vida brasileira.

Somos uns miseráveis cercados de miseráveis por todos os lados.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.