A seção Baú de Presidentes tem a honra de hospedar outro texto do excelente Celso Arnaldo. Depois de ler o artigo de José Sarney na Folha desta sexta-feira, o caçador de cretinices cumpriu o dever de enquadrar exemplarmente o pior escritor do mundo. E resumiu o que pensa neste recado ao colunista. Não perca:
Você acha que a Roseana lê o pai? O Lula lê o amigão de infância? (bem, o Lula não lê nada desde a infância, quando já era analfabeto). O Otávio Frias lê Sarney? O Cony, o Jânio de Freitas? Marcos Vilaça, presidente da Academia Brasileira de Letras de onde Sarney é decano, acorda mais cedo às sextas-feiras para ler Sarney? Lembra-se você de alguma carta do Painel do Leitor da Folha, nos últimos cinco anos, comentando o artigo do Sarney?
Não. Sarney é um escritor fantasma, um ghost writer de si mesmo. Elabora os piores textos assinados da imprensa brasileira para um leitor invisível. Mas é um fantasma muito dispendioso. A Folha solta no mínimo 300 mil exemplares numa sexta-feira. Multiplique isso por uma tira que ocupa um quinto de uma página e calcule, por alto, o prejuízo que é Sarney.
Pense bem: no fundo, Sarney escreve para nós dois. Lemos Sarney, com um prazer quase sádico, e uma evidente ponta de masoquismo, por um viés profissional. Acostumados que estamos, há décadas, a ler e revisar textos com os mais variados graus de domínio da língua portuguesa, as mais estranhas sintaxes, é certo que nunca lemos nada igual a Sarney – ele é a Dilma escrita.
Por isso Sarney nos fascina, a ponto de deixarmos de lado as mais relevantes questões nacionais para nos debruçarmos sobre o artigo dele das sextas-feiras.
Condicionado a ler jornais de trás para diante desde que me conheço por gente, às sextas inverto o percurso. Vou ansiosamente para a página 2, direto para Sarney. E confesso que me frustro quando, muito raramente, o artigo não está suficientemente ruim. Hoje, não – com você demonstra com esta amostra internada no Sanatório.
É Sarney puro, com aquele DNA que combina um pendor irresistível para o butim do erário público, que é hereditário, com uma absoluta incapacidade de juntar duas palavras na ordem certa, que não é atributo de qualquer outra pessoa que se apresente como escritor e é membro do mais cobiçado silogeu das letras brasileiras.
Para escancarar o fenômeno que é Sarney diante das letras de um teclado, escolha-se qualquer parágrafo do artigo de hoje. Uni-duni-tê, o escolhido foi você:
– Já tivemos várias classificações do brasileiro. Há os que o acham brincalhão, outros preguiçoso, alguns aloprado e Sergio Buarque de Holanda escreveu um livro célebre e referencial, Raízes do Brasil, para descobrir o brasileiro cordial, embora o cordial citado não seja como se concebe.
O pensamento em si, e no todo, não tem a menor importância –- esse sociologês do Sarney é sempre rasteiro. Mas sob a pena do escritor fantasma, as palavras se assombram e se rechaçam umas às outras, como um bando de poltergeists, eventos sobrenaturais que, nesse caso, se manifestam deslocando fonemas e fazendo ruídos assustadores na comunicação. Acredita-se que o foco dessa perturbação é uma criança na fase da puberdade. Quem escreve os artigos da Folha deve ser o menino Zé do Sarney, de Pinheiro, que já dominava as primeiras letras e nunca foi além delas.
Releia o trecho acima: ele pode ser desmembrado em diversos dessas entidades:
– Classificações do brasileiro
– Outros preguiçoso
– Alguns aloprado
– O cordial citado
– Não seja como se concebe
O escritor fantasma assusta, mas diverte. Sarney é o Pluft de Pericumã.