O Rio Tietê tornou-se mais conhecido por sua degradação, principalmente no trecho canalizado que corta a capital paulista, do que pela importância econômica e urbanística que tem para São Paulo. Isso fica gritante quando chove. Na quinta-feira passada, quando voltou a chover na cidade depois de quase um mês de estiagem, o que se viu foi uma correnteza de lixo cobrindo o leito do rio, transformando-o em uma enorme cicatriz de 56 m de largura e 26 km de extensão na maior e mais rica cidade do País. Até um majestoso sofá foi visto boiando em meio ao caldo tóxico composto por dejetos orgânicos, garrafas PET e galhos de árvores, entre outros objetos que todos os dias são descartados irregularmente no leito do rio.
Um estudo de 2018 da organização SOS Mata Atlântica mostrou que 11% do Tietê está “morto”, ou seja, não apresenta condições de vida para os peixes e a água não pode ser usada para lazer, irrigação ou consumo. “O canal do rio em São Paulo recebe lixo de Mogi, Suzano e Guarulhos”, disse ao Estado Malu Ribeiro, coordenadora da Rede de Águas da SOS Mata Atlântica. No trecho “morto”, o Tietê serve como vetor de contaminação para doenças como hepatite e cólera. Ainda de acordo com a organização SOS Mata Atlântica, a mancha de poluição vai de Itaquaquecetuba, a leste da capital, até Cabreúva, a noroeste, um trecho de 120 km de extensão.
O governo de São Paulo vem tentando despoluir o maior rio do Estado há 27 anos, quando foi lançado, em parceria com a SOS Mata Atlântica e apoio do Grupo Estado, o Projeto Tietê, em 1992. Em nota, a Secretaria Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente informou que, desde então, a mancha de poluição foi reduzida em 77%, passando dos 530 km de extensão para os 120 km atuais. “Apenas a Sabesp investiu mais de US$ 3 bilhões no projeto, o que resultou na ampliação da coleta de esgoto de 70% para 87%, e do tratamento de água de 24% para 70%”, diz um trecho da nota.
São significativos avanços na recuperação do Tietê, que em segmentos do trecho “morto” chega a apresentar 0% de oxigenação, quando o recomendado para a vida de peixes é, no mínimo, 7%. Entretanto, ainda há muito há ser feito. E não só pelo poder público. Toda a sociedade é corresponsável pelo resgate do rio. Enquanto os cidadãos continuarem a usar o leito do rio como lata de lixo, não haverá investimentos e políticas públicas que deem conta de dar a São Paulo um Tietê saneado como há em outras grandes cidades do mundo.
“Tem de tudo no rio: baldes, garrafas de plástico, tambor, até um guarda-roupa eu já vi”, disse Antônio Caires, frentista de um posto de combustíveis às margens do Tietê.
“Sinceramente, eu me sinto muito triste, porque todos nós somos responsáveis”, disse o motoboy Anderson de Paula, também ouvido pelo Estado.
Em boa medida, a salvação do Rio Tietê depende hoje de uma reflexão sobre cidadania e vida em sociedade. Evidentemente, a administração pública tem sua cota de responsabilidade no processo de despoluição do rio e há muito trabalho a ser feito. Os cidadãos, por sua vez, não devem olhar para o rio apenas como um retrato feio da negligência do Estado. Naquelas águas pútridas corre uma boa dose de incivilidade. O lixo descartado em locais inadequados chega às galerias pluviais e aos córregos. Basta chover para que estes levem a massa de resíduos para os rios.
Hoje, grande parte do lixo que vai parar no Rio Tietê é de origem doméstica. De acordo com dados da Agência Nacional das Águas (ANA), 41% do esgoto da Grande São Paulo vai parar in natura no Tietê. Na região, 87% do esgoto doméstico é coletado e 59% dele é tratado, segundo a Sabesp. Ainda assim, para uma população de 22 milhões de habitantes, 41% de esgoto não tratado é um porcentual muito elevado.
Um Rio Tietê despoluído não é um sonho irrealizável. Requer a adoção de políticas públicas coordenadas entre o Estado e os municípios que são banhados por ele e, ainda mais importante, engajamento de todos os cidadãos. Sem essa união de esforços públicos e privados, resta-nos acostumar os olhos e os narizes.