Editorial do Estadão: Unasul à deriva
A América do Sul precisa de um bloco forte que represente seus interesses conjuntos, não de um clube de caudilhos
Dez anos depois de ter sido criada sob forte inspiração do populismo de esquerda que grassava no continente, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) caminha para a irrelevância. Na semana passada, os governos do Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Paraguai ─ metade dos Estados-partes que compõem o bloco ─ enviaram uma carta ao governo da Bolívia, que preside a Unasul pro tempore, comunicando que suspenderiam suas participações no bloco por prazo indeterminado.
A Unasul foi concebida para ser um contraponto à suposta influência dos Estados Unidos na política sul-americana por meio da Organização dos Estados Americanos (OEA), com sede em Washington.
Em seu tratado constitutivo está estabelecido que o objetivo da Unasul é a construção de “um espaço de integração e união no âmbito cultural, social, econômico e político” entre as nações sul-americanas. Na prática, Hugo Chávez, então presidente da Venezuela e um dos idealizadores do bloco, pretendia criar uma organização internacional que ele mesmo pudesse controlar diretamente, em contraposição à Zona de Livre Comércio defendida pelos EUA.
A queda da importância da Unasul nas negociações internacionais de interesse dos países constituintes ─ Venezuela, Equador, Uruguai, Guiana e Suriname, além dos sete já citados ─, não por acaso, coincide com a derrocada dos governos bolivarianos no continente.
As decisões estratégicas da Unasul são tomadas de forma consensual. Porém, no último ano, o aprofundamento das diferenças de visões políticas, econômicas e ideológicas entre os membros levou à paralisia do bloco. De um lado, Brasil, Argentina, Chile, Peru, Paraguai e Colômbia. De outro, os bolivarianos capitaneados pela Venezuela e pela Bolívia.
A fissura ficou evidente após o impeachment da presidente Dilma Rousseff. O então secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, ex-presidente da Colômbia, ameaçou aplicar a cláusula democrática para punir o Brasil, um aviltante desrespeito às instituições e à democracia brasileiras, que em momento algum estiveram sob qualquer ameaça no curso daquele processo.
O término do mandato de Samper à frente da Unasul levou ao impasse que ensejou o pedido de suspensão da participação das seis principais economias do bloco. Para substituí-lo, a Argentina indicou o nome de José Octavio Bordón, ex-governador da província de Mendoza e ex-embaixador do país em Washington. A indicação de Bordón teve o apoio do Brasil, mas a Venezuela a vetou sob a alegação de que o cargo só deve ser ocupado por ex-presidentes ou ex-chanceleres.
Como a Venezuela não sugeriu alternativa ao nome de José Octavio Bordón, o bloco passou um ano sem se reunir. Mas, mesmo com as atividades paralisadas, a Unasul custa US$ 10 milhões por ano. O Brasil arca com 40% deste orçamento. É dinheiro demais para o País, que passa por um grave processo de recuperação econômica após o desastre dos governos lulopetistas. Os ex-presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff foram grandes defensores da Unasul. Hoje, o resultado está aí: um bloco que caminha a passos largos para a irrelevância no cenário internacional, que se prestou, desde sua origem, a fomentar o populismo de esquerda na América do Sul.
Em termos práticos, a carta assinada pelo Brasil e outras cinco nações dissidentes não gera grandes efeitos. A Unasul seguirá paralisada como já se encontrava. No entanto, não se pode desconsiderar o forte efeito político da suspensão da participação das seis mais pujantes economias do bloco. Os chanceleres desses países informaram que a paralisação das atividades irá até a solução da questão da nomeação do secretário-geral da Unasul. Se nada for feito, “medidas adicionais poderão ser tomadas”, adverte a carta. A total desintegração do bloco não pode ser descartada.
O continente precisa de um bloco forte que represente seus interesses conjuntos, não de um clube de caudilhos.