José Casado (publicado no Globo)
Em meio à campanha eleitoral surgiu uma estranha aliança: o PT de Lula, o PDT de Ciro Gomes, o PSOL de Guilherme Boulos e o PCdoB de Manuela D’Ávila se uniram ao MDB de Michel Temer, o PP de Ciro Nogueira e o PSD de Gilberto Kassab. O acordo foi selado dias atrás na Câmara, com adesão posterior do PR de Valdemar da Costa Neto e do PSB, que ainda não definiram o rumo na sucessão.
O objetivo comum é usar o Legislativo para instigar a anulação, ao menos parcial, de processos criminais abertos na Operação Lava-Jato. A manobra prevê a contestação da integridade da atuação de procuradores e juízes federais da primeira instância, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal em acordos de delação premiada.
Pretende-se instalação imediata de uma CPI na Câmara para investigar especulações, assim descritas: “Possibilidade de manipulação das colaborações premiadas, e possibilidade do envolvimento de agentes públicos”.
O pedido foi assinado por 190 deputados. Parte já esteve envolvida em artimanhas frustradas para emparedar procuradores e juízes ou, simplesmente, anistiar a réus e investigados na Lava-Jato. Tentam a reeleição e, para eles, a liquidação da Lava-Jato é um sonho que não acabou.
O documento indica um triunfo do improvável: uma grande aliança entre partidos adversários, cujos candidatos à presidência mantêm visões peculiares tanto sobre o governo Michel Temer quanto dos competidores na sucessão.
Temer é alvo central. Seu líder na Câmara é o deputado Baleia Rossi, que escolheu por absoluta confiança. Rossi negociou o acordo da CPI contra a Lava-Jato com o deputado Paulo Pimenta, líder do PT, defensor da candidatura virtual de Lula, preso em Curitiba, onde cumpre pena de 12 anos e um mês por corrupção e lavagem de dinheiro. Pimenta só se refere a Temer como “golpista”, “corrupto” e “chefe de quadrilha”, entre outros qualificativos.
Aliados de Temer, como Rossi, retrucam. Lembram quase diariamente, no Congresso, as “roubalheiras” da era petista, nos governos Lula e Dilma, “principalmente na Petrobras”.
O PDT de Ciro Gomes aceitou a aliança com o governo e o PT. Ciro, candidato do partido, atravessa o país em campanha identificando Temer como modelo de político viciado em “roubar a nação”. Também costuma culpar Lula pela confusão que está aí: “Resolveu brincar de Deus — botar Temer na linha de sucessão; impor a Dilma sem experiência num ‘dedaço’ como presidente; entregar Furnas a Eduardo Cunha… Tudo isso Lula sabe que fez”.
PSOL e PCdoB, já classificados por Ciro Gomes como “puxadinhos” do PT, certamente terão dificuldades para explicar ao seus eleitores as razões do alinhamento não só ao MDB de Temer e o PDT de Ciro, como também ao PR de Valdemar da Costa Neto, o PP de Ciro Nogueira e o PSD de Gilberto Kassab — nesses três partidos aglutinam-se dezenas de investigados por corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência.
Essa estranha união contra a Lava-Jato contribui só para aumentar a nebulosidade numa campanha dominada pela desconfiança dos eleitores. Ela sugere que partidos e candidatos desejam enquadrar o país na moldura do realismo fantástico, onde não existem leis, a começar pela lei da gravidade.