As cenas de ciumeira explícita protagonizadas pelo governo brasileiro depois do desembarque dos americanos no Haiti foram sobretudo mesquinhas. Enquanto uma nação ferida de morte implorava por alimentos e socorros que tardavam a chegar, o Itamaraty implorava pelo comando de um sistema de distribuição inexistente.
As cenas de exibicionismo explícito protagonizadas pelo general Floriano Peixoto diante do palácio presidencial em Porto Príncipe foram especialmente constrangedoras. “É uma forma de marcar posição, é muito importante que haja a percepção do trabalho do Brasil”, discursou o comandante-geral da Minustah no Haiti, suando a farda na operação de entrega de cestas básicas a flagelados já atendidos pelos ianques do outro lado do muro.
“Lamentavelmente, a imprensa tem dado pouco importância à participação brasileira na ajuda humanitária”, queixou-se o general. Queixou-se do general a canadense Kim Bolduc, coordenadora de assistência humanitária da Minustah: “Tem muita duplicação. Não sabemos a ração que estão entregando é suficiente, nem em quanto tempo será consumida”. Até a ofensiva de Floriano Peixoto, os oficiais em missão no Haiti mantiveram-se fora do assédio ao Conselho de Segurança da ONU. Palanque não é coisa para militares da ativa.
Nesta quinta-feira, o ministro Celso Amorim reincidiu na fantasia: o Haiti deve ser reconstruído por um Plano Lula, semelhante ao Plano Marshall do pós-guerra, executado sob a liderança do Brasil. Somadas às geradas pela competição impossível com os americanos, as cenas de sabujice explícita estreladas pelo chanceler ultrapassaram todos os limites do ridículo ─ e reduziram o Brasil a protagonista de um espetáculo indecoroso.
A alma subalterna de Amorim, que se refere ao chefe como “Nosso Guia”, revogou há muito tempo o sentimento da vergonha. Pior para ele. O país não merece virar motivo de chacota em todos os idiomas. É o que ocorrerá se prosseguir a chanchada concebida para equiparar o Brasil aos Estados Unidos e infiltrar um governante desoladoramente jeca na galeria dos estadistas que reconstruíram o mundo em escombros do pós-guerra.
Promover a potência emergente um país ainda afundado no atraso é uma esperteza eleitoreira quase inofensiva se confinada em comícios. Acreditar na fantasia e tentar vendê-la ao mundo é coisa de napoleão de hospício. Se o governo acha que falta serviço, que cuide das secas, das enchentes ou dos morros conflagrados que sobram por aqui.
Se for pouco, pode tratar de outros ítems da pauta gigantesca ─ os 12 milhões de analfabetos, o sistema de saúde falimentar, a malha rodoviária em decomposição ou a multidão de excluídos da rede de saneamento básico. Se ainda assim sobrar tempo, que trate de construir efetivamente o país fictício que estaciona nas inaugurações de araque programadas para fazer de conta que o PAC existe.
Em homenagem a Zilda Arns, que doou discretamente a própria vida, é preciso acabar com a quermesse armada pelos gigolôs da tragédia. Em respeito à imensidão de mortos, entre os quais 21 bravos brasileiros, convém enterrar sem demora nem honras o Plano Lula. Um PAC do Haiti seria pior que terremoto.