Imagens em Movimento: Um mundo em preto e branco
SYLVIO DO AMARAL ROCHA Preto e branco, mulheres fatais, detetives, crimes. Sombras, niilismo, imagens refletidas em espelhos, erotismo, cenários exóticos, morte. Brutalidade, capangas, narrativa na primeira pessoa, tiros, ausência de heróis, enquadramentos inusitados e nome francês. Junte-se tudo isso e teremos um filme noir. Oriundo das histórias de detetives publicadas nas pulp magazines, escritas por […]

SYLVIO DO AMARAL ROCHA
Preto e branco, mulheres fatais, detetives, crimes. Sombras, niilismo, imagens refletidas em espelhos, erotismo, cenários exóticos, morte. Brutalidade, capangas, narrativa na primeira pessoa, tiros, ausência de heróis, enquadramentos inusitados e nome francês. Junte-se tudo isso e teremos um filme noir.
Oriundo das histórias de detetives publicadas nas pulp magazines, escritas por um elenco estelar que incluiria autores como Raymond Chandler e Dashiell Hammett , o noir criou uma atmosfera que se contrapunha ao empedernido otimismo do american way of life. Personagens duros, obsessivos, neuróticos se movem num mundo violento, cínico e inclemente, acinzentado pelo binômio sexo-corrupção.
Também inspirados no cinema expressionista alemão da década de 1920, esses filmes foram batizados com o nome de uma coleção de livros policiais editados na França durante a década de 40, assinados pelos mesmos colaboradores das pulp. Produzidos entre os anos 1940 e 1950, o noir até hoje gera polêmicas no universo cinematográfico. Ainda há controvérsias sobre as características essenciais desse tipo de filme, a data exata do nascimento ou mesmo se é um gênero, um estilo ou uma espécie de escola. Mas pelo menos duas evidências são indiscutíveis: o noir transformou-se em fonte inspiradora para incontáveis cineastas e não vai morrer tão cedo.
Embora não surjam com tanta frequência filmes comparáveis aos clássicos Pacto de Sangue, A Marca da Maldade ou Falcão Maltês, o noir – seja com o nome de batismo, apelidado de neonoir ou camuflado por codinomes – mantém uma taxa de natalidade que lhe garante longa vida. Gumshoe, de Matt Steinauer, é um dos muitos recém-nascidos. Filmado nos EUA em 2013 com uma Red Epic (com vaga assegurada no ranking das melhores câmeras), o curta metragem que reuniu uma equipe de primeira linha impressiona pela qualidade. O único plano sequência (cena gravada sem cortes) dura 3 minutos e 45 segundos, exibe uma fotografia dura, desenhada com claros e escuros sem degradês. O preto é realmente preto (aparentemente irrelevante, tal detalhe é de execução especialmente complicada no cinema digital) e não há pixelização (quando se percebe os pixels da imagem).
O ponto de vista nada usual proporciona ao espectador a impressão de estar observando as cenas pela parte frontal da aba do chapéu do protagonista. O toque de humor decorre sobretudo dos ruídos e da trilha sonora. Graças a tais trunfos, Gumshoe tem destaque garantido na profusão de curtas metragens que disputam uma vaga na programação dos mais valorizados festivais de cinema.
Na 40ª edição do cobiçado Festival de Telluride, nos Estados Unidos, Gumshoe foi exibido na mesma sessão reservada a Palo Alto, filme de estreia de Gia Coppola, neta de Francis Ford Coppola. O diretor de O Poderoso Chefão estava na plateia: “É engraçado, único e deve ter sido difícil de realizar”, elogiou.
Steinauer fará de Gumshoe uma série. Tomara que os outros episódios mantenham o nível do fundador da linhagem.
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