Numa famosa conversa com a jornalista (e histórica simpatizante comunista) Anna Louise Strong em 1956, Mao Tsé-Tung utilizou a expressão “tigre de papel” para descrever o que entendia como natureza do imperialismo norte-americano.
“Em sua aparência, o animal é muito poderoso, mas na verdade não há o que temer. Trata-se supostamente de um tigre por fora –mas por dentro é feito de papel e portanto incapaz de resistir ao vento e à chuva”, sugeria o dirigente chinês.
A expressão ganhou grande notoriedade nos Estados Unidos. Num dos encontros secretos que manteve com a Cúpula do Partido Comunista em 1973, Kissinger perguntou ao líder chinês acerca da origem da frase. Mao assumiu: “sim, eu inventei o termo “tigre de papel'”.
Nos próximos dias, quando Xi Jinping e Donald Trump se reunirem nos EUA, os ecos da frase de Mao cercarão o encontro. Quando o líder chinês concordou em realizar a visita aos EUA, a principal motivação era descobrir o que o agora titular da Casa Branca –que tanto bradou contra Pequim durante a campanha presidencial– realmente pensa sobre a China e o mundo.
Hoje, a administração Trump está inegavelmente desorientada em pautas tão distintas como a diretriz nacional para o setor de saúde ou qual o futuro da participação dos EUA na Otan. Para conduzir desafios tão sofisticados e diversos como o processo de paz no Oriente Médio ou a interlocução com a China, Trump convoca seu genro Jared Kushner, que não dispõe de qualquer experiência em política externa.
Não é de estranhar, assim, que Pequim crescentemente ache que lida com um tigre de papel.
A retórica agressiva de Trump contra a China na área de comércio e política industrial começa a perder força.
CEOs das principais empresas industriais americanas, como Jeff Immelt, presidente da General Electric, não querem desperdiçar o potencial de exportações ou negócios para suas já maciças operações em território chinês.
Não desejam, tampouco, que elos fundamentais de sua cadeia global de produção localizados na China tornem-se do dia para noite inutilizados por arroubos nacionalistas transformados em políticas públicas.
Mas o que mais leva os chineses a vislumbrarem Trump como tigre de papel é a combinação de superficialidade e improviso.
A admissão de que muito da retórica anti-comércio de Trump não se encontra minimamente sustentada por dados ou estruturação prévia revela-se indiretamente num artigo publicado nesta terça (4) no Financial Times por Wilbur Ross, atual secretário de Comércio dos EUA.
No texto, intitulado “Donald Trump tornará o comércio justo novamente”, Ross surpreendentemente informa que seu chefe acaba de pedir (agora, já transcorridos quase três meses de sua presidência) um estudo detalhado das razões que fazem os EUA acumularem sucessivos déficits comerciais.
Para o economista Paul Krugman, em sua mais recente coluna nesta Folha, por mais chocante que possa parecer “quando Trump estava vociferando contra os tratados de comércio internacional, ele não fazia ideia do que estava dizendo”.
E, ao contrário da postura que Ted Roosevelt projetava para a política externa dos EUA, Binyamin Applebaum, do “New York Times”, aponta que a política comercial de Trump nada mais é que “falar alto e carregar um porrete pequeno”. Manipulação cambial ou dumping simplesmente não são mais estratagemas utilizados amplamente pela China na conquista de mercados externos.
Sun-Tzu, o famoso estrategista –autor do clássico “A Arte da Guerra”– sugeria que “onde há caos, ali estão as oportunidades”. Se esta é a lição, então a confusa administração Trump apresenta-se como prato cheio para a China.