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Neocolonizados

No tempo das nossas primeiras vitórias éramos a potência, no futebol, e os europeus os subdesenvolvidos. Hoje, deixamo-nos docemente colonizar

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 30 jul 2020, 20h24 - Publicado em 27 jun 2018, 20h07

Roberto Pompeu de Toledo (publicado na edição impressa de VEJA)

O Brasil venceu as Copas do Mundo de 1958, 1962 e 1970 com elencos compostos exclusivamente de jogadores que atuavam no país. A seleção de 1982, que não ganhou, mas é lembrada como tão boa quanto as vitoriosas antecessoras, tinha apenas Falcão, do Roma, e Dirceu, do Atlético de Madrid, atuando no exterior. Disputavam os campeonatos nacionais “cracaços” como Zico, Sócrates e Toninho Cerezo.

Nos anos 1990, a balança começou a pender em favor dos exilados, mas com resultados ainda moderados. A vitoriosa seleção de 1994 tinha exatos onze jogadores de fora contra onze do país. E a de 2002, outra vitoriosa, ainda apresentou uma reação dos “de dentro”, com treze deles sobrepujando os dez “estrangeiros” (com a permissão de incluir três goleiros, os elencos passaram a possuir 23 integrantes).

De lá para cá, a predominância dos “estrangeiros” tornou-se massacrante. Na Copa de 2010 apenas três, dos 23, jogavam no Brasil; na de 2014 apenas quatro; e na atual, de novo, apenas três — o goleiro Cássio, o lateral Fagner e o zagueiro Geromel, sendo que se constituem, os três, em retornados que já tiveram experiências no exterior. Jogador de futebol do Terceiro Mundo é um refugiado de natureza diversa daquela dos que fogem da África de balsa, mas não deixa de ser um refugiado. Seu destino é fugir do país de origem. Os que não conseguem viram perdedores no jogo da vida.

Eles não apenas vão embora como isso acontece cada vez mais cedo. Dos 23 do elenco brasileiro atual, dezoito deixaram o país com 20 anos ou menos. Acima desse limite são apenas cinco, inclusive Neymar, que embarcou aos 21. O que deixou o país mais tardiamente foi o goleiro Alisson, aos 23 anos. Há casos aberrantes, tanto pela idade quanto pelo país de destino, como o do meio-campista Paulinho, que saiu do Brasil pela primeira vez aos 17 anos para tentar a sorte na Lituânia. A idade configura tráfico de menores, e o país onde foi parar a criança ostenta uma tradição futebolística igual a zero.

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Quatro dos integrantes do atual elenco saíram do Brasil aos 18 anos: Fagner, Geromel, Marcelo e Philippe Coutinho. Os dois primeiros voltaram, os dois últimos continuam fora. Seis foram embora aos 19: Marquinhos, Douglas Costa, Roberto Firmino, Gabriel Jesus, Willian e Filipe Luís. Donos, todos eles, de carreira vitoriosa, acumulam de Europa dos onze anos de Marcelo aos dois de Gabriel Jesus. Sentem-se à vontade nos países que os acolheram, mas conservam no braço relíquias das origens, conforme revelado nos perfis dos jogadores traçados pelo repórter Tino Marcos para o Jornal Nacional. As tatuagens do carioca Renato Augusto incluem o Cristo Redentor, o Maracanã e a calçada de Copacabana. As de Marcelo apresentam o nome e a data de nascimento do avô que o criou (Pedro, 26/05/1938) e o Fusca com que esse mesmo avô o levava aos treinos.

Os jogadores mais bem cotados vão para o Real Madrid, como Marcelo e Casemiro, o Barcelona, como Paulinho e Philippe Coutinho, ou os milionários clubes ingleses, como Willian, Roberto Firmino e Gabriel Jesus. Um caso à parte é o de um time chamado Shakhtar, da cidade ucraniana de Donetsk. A Ucrânia possui economia muitos furos abaixo da do Brasil e Donetsk, situada junto à fronteira com a Rússia, é foco da tensão armada entre os dois países. No entanto, o tal Shakhtar Donetsk já contou em suas fileiras com quatro jogadores da seleção (Fernandinho, Willian, Fred e Douglas Costa) e conta ainda com Taison. A equipe é famosa por abrigar brasileiros, e faz desconfiar que descobriu um filão: comprá-los ainda barato, para revendê-los com altos lucros a clubes mais poderosos.

No tempo das nossas primeiras vitórias éramos a potência, no futebol, e os europeus os subdesenvolvidos. Hoje, graças ao empenho dos empresários e dos dirigentes, e à mão amiga da crônica esportiva, deixamo-nos docemente colonizar, aperfeiçoando-nos no papel de fornecedores de matéria-prima. Na transmissão do amistoso entre Brasil e Croácia, o repórter de campo avisou ao narrador: “Nos dois times, nenhum jogador atua no país de origem. Jogam todos em times bons”. Com a satisfação de um ufanista ao contrário, ele celebrava o fato de não haver em campo jogador de times porcarias como os brasileiros. Os meninos amantes do futebol hoje valorizam mais as camisas dos times europeus que a dos brasileiros, e escolhem entre eles aquele para o qual torcer. Falta pouco para atingirmos a perfeição: manter apenas escolinhas de futebol e categorias de base, para alimentar os mercados desenvolvidos, e abolir os decadentes clubes e campeonatos de profissionais.

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