Elena Landau (publicado no Estadão)
Com os dados recém-divulgados pelo Banco Central, o País corre o risco de entrar em recessão técnica. O baixo crescimento para este ano está dado. Enquanto não tivermos um projeto consistente para a economia, que traga confiança e direção ao empresariado, as esperanças de crescimento recaem sobre os projetos de infraestrutura.
Mas no caminho há uma pedra: o risco jurisdicional do País. Dados do Banco Mundial mostram a relação positiva entre qualidade regulatória e PIB per capita. O Brasil não está bem na foto. Nosso indicador de qualidade atingiu o índice mais alto em 1998. A partir de 2003, a deterioração é clara. Fomos ultrapassados por Colômbia e México. Resultado que não chega a ser surpreendente. E nada indica que a situação vai melhorar.
O discurso oficial sobre regulação é confuso. Deixando de lado o radicalismo de uma minoria libertária, há consenso de que “a competição requer uma organização adequada de instituições, que nem sempre podem ser oferecidas pelo setor privado e dependem de um sistema legal para preservar a competição e fazê-la funcionar da forma mais eficiente possível”. Tais instituições vão desde agências reguladoras à autoridade monetária, e buscam atuar em falhas de mercado, como assimetria de informação, externalidades e concentração. A previsibilidade das regras é fundamental para criar um ambiente favorável aos investimentos privados. Mas a cada dia uma nova notícia vem para confundir.
A iniciativa de levar o Coaf para o Banco Central é uma delas. O argumento seria despolitizar sua atuação. Ora, quem começou a politizar um órgão de fiscalização, que sempre foi independente, foi o governo. Foi para o Ministério da Justiça, voltou para o de Economia e acabou questionado no STF. Não importa a quem se vincule, sua independência depende do próprio governo. Também está em estudo a transformação da Receita Federal em autarquia para blindá-la do Legislativo e do Judiciário, leia-se STF. Mas foi Bolsonaro quem deu um pito no secretário Marcos Cintra por investigar sua família. As agências reguladoras são autarquias e nem por isso estão isentas do controle da sociedade. Sua autonomia garante independência do Executivo, ou deveria.
Pode jogar esses órgãos de um lado para o outro, se o Executivo não mudar sua atitude intervencionista, de nada adiantará. Veja o que aconteceu com Ancine e Anvisa, além da captura da ANP. Melhor deixar Coaf e Receita onde sempre estiveram.
A balbúrdia não vem só do governo federal. Governadores, apoiados pelas novas Assembleias Legislativas, ajudam a aumentar o barulho. Em Goiás, Caiado quer desfazer a privatização da Celg-D, companhia estadual de distribuição de energia. Ele tem todo direito de exigir um serviço de qualidade, mas para fiscalizar a operação da concessionária existe a agência reguladora setorial. É dela a decisão de intervir ou não na concessionária. Mas esta é uma etapa avançada de um processo administrativo. O governador acabou por receber ajuda dos novos deputados estaduais que criaram uma CPI para reanalisar a venda. Caiado só não esclareceu como vai reembolsar investidores e a Eletrobrás por um eventual desfazimento do negócio.
No Rio de Janeiro, outra CPI está em andamento na Alerj para investigar a operação da empresa distribuidora de gás local, deixando no ar uma ameaça de cassar a concessão. Para piorar, a Agernesa, agência reguladora local, contribuiu para aumentar ainda mais a insegurança regulatória ao anunciar novas regras, de aplicação imediata, para a atividade de gás natural que interferem em direitos assegurados no contrato de concessão. A decisão se baseou na proposta de mudanças anunciada pelo governo federal que não passou pela análise de impacto regulatório na ANP, nem se sabe se será implementada.
A desvinculação entre compromissos assumidos pelo Estado e o governo do momento é gravíssima e cria enorme incerteza para investimentos de longa maturação. Vale lembrar que, no caso de saneamento, serão milhares de municípios e Câmara de Vereadores que podem mudar seus representantes a cada quatro anos.
Em artigo recente sobre o centenário de Weimar, o ministro Edson Fachin alerta: “Segurança jurídica é essencial e imprescindível em todas as relações sociais e econômicas que demandam interpretação e aplicação da lei; estabilidade e previsibilidade fazem parte deste procedimento”. Alerta importante para tempos sombrios com o crescimento de regimes autoritários no mundo. O ministro conclui: “A obediência à Constituição é a regra número um da segurança jurídica”. Eu acrescentaria: a obediência aos contratos é a regra número um da segurança regulatória.