Bruno Abbud
Pele marrom, viscosa, braços longos e finos, veias saltadas, odor fétido, três protuberâncias na cabeça e esbugalhados olhos vermelhos. Essa é a descrição da criatura que, depois de supostamente ter pousado em Varginha, sul de Minas Gerais, em 20 de janeiro de 1996, foi apresentada ao mundo por meio de ilustrações gráficas em jornais, revistas e emissoras de televisão. Às vésperas do aniversário de quinze anos da aparição, o município ostenta uma caixa d’água central e pontos de ônibus em forma de disco voador, além de estátuas do célebre extraterrestre. Tida como a mais emblemática da ufologia brasileira, a história do ET de Varginha pode ser explicada por duas versões. A dos ufólogos, divulgada em livros, sites na internet e pelo boca a boca de boa parte da população, e a registrada num Inquérito Policial Militar (IPM) arquivado no Superior Tribunal Militar, em Brasília.
O caseiro Eurico Rodrigues, então com 40 anos, acordou assustado às 1h30 daquele dia 20 com o chamado da mulher, Oralina Augusta, 37. Caminhou até a janela para checar o que estava acontecendo com o gado, que corria de um lado para o outro no pasto da fazenda de 150 alqueires, fincada à beira da estrada que liga Varginha a Três Corações, cidade vizinha. A cinco metros do solo, um objeto cinza, semelhante a um submarino, sobrevoava lentamente o terreno. Num percurso que durou cerca de 40 minutos, o Ovni, soltando fumaça e aparentemente avariado, passou por um morro e sumiu em direção à cidade. Assim começa a versão de um grupo de ufólogos, entre eles Vitório Pacaccini e Claudeir Covo, este último presidente do Instituto Nacional de Investigação de Fenômenos Aeroespaciais (Infa), que se baseou no depoimento de dezenas de testemunhas para reconstituir o episódio.
Sete horas depois, avisados por um telefonema anônimo, quatro bombeiros teriam capturado com uma rede de couro uma criatura no bairro Jardim Andere, a dois quilômetros do centro de Varginha. Enfiaram-na numa caixa de madeira, que jogaram na caçamba de um caminhão e cobriram com uma lona branca. Em seguida, arrancaram em disparada até a Escola de Sargentos das Armas (ESA) de Três Corações. Por volta das 14h, uma testemunha teria visto homens vestidos com a farda do Exército, fuzis em punho, invadindo uma floresta de eucaliptos perto da linha férrea de Varginha, também no Jardim Andere. Ouviu três tiros e avistou soldados carregando dois sacos. Num deles, algo se mexia intensamente.
O estardalhaço provocado por aqueles militares contribuiu para o clímax do caso Varginha, às 15h30 daquele sábado. Descendo por uma trilha de um terreno baldio na Rua Benevenuto Braz Vieira, a duas quadras da floresta de eucaliptos, Liliane Fátima Silva, 16 anos, avistou a sete metros de distância uma criatura encolhida na frente do muro que separava o terreno de uma oficina mecânica. Aparentemente ferido, sobressaltado como um animal em fuga, o suposto ET produzia um zunido igual ao das abelhas. Apavorada, Liliane virou de costas. Sua irmã Valquíria Aparecida Silva, 14, e a amiga Kátia Andrade Xavier, 22, que caminhavam juntas pela trilha, continuaram imóveis. “Não era bicho nem gente, era uma coisa horrível”, declarou Kátia na época. A criatura ensaiou um movimento com o pescoço, suficiente para fazer com que as garotas disparassem em pânico para casa. Para a mais nova, aquilo tinha a aparência de um coração de boi gigante.
Duas horas depois, uma tempestade atingiu Varginha. “A cidade não vira chuva igual nas últimas duas décadas”, registrou Claudeir Covo. “Os moradores observaram granizos do tamanho de bolas de pingue-pongue”. Numa espécie de diário publicado naquele ano, ele informa que dois militares foram ao terreno baldio prontos para capturar a criatura avistada por Liliane naquele dia: o famoso ET de Varginha. Marco Eli Cherese, policial militar de 23 anos, identificou e prendeu o extraterrestre. Levou-o ao Hospital Regional do município, onde permaneceu sob vigilância militar. Charese morreu dias depois. Segundo ufólogos, foi infectado por um vírus alienígena. Segundo o exame de sangue, o policial morrera por conta de uma trombo-embolia pulmonar e uma congestão hepática aguda.
Nos dias seguintes, os corpos das criaturas capturadas (duas ou três – ninguém sabe ao certo) teriam sido transferidos de hospital em hospital. Uma delas teria sido submetida a uma autópsia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e enviada aos Estados Unidos. Tudo isso está registrado em trechos de entrevistas feitas por ufólogos com informantes e testemunhas e anexadas ao Inquérito Policial Militar (IPM) que investigou o caso. Com 357 páginas, o documento também questiona trechos do livro “Incidente em Varginha – Criaturas do espaço no sul de Minas”, escrito por Pacaccini e pelo jornalista Maxs Portes. Reúne ainda depoimentos de militares, ufólogos, reportagens de jornais locais e inclui uma sindicância interna do Exército, concluída para apurar as histórias narradas por testemunhas e documentadas pelos estudiosos.
A versão oficial – Em 11 de março de 1997, Maurício Antônio Santos, 44, comandante do 24º Batalhão de Polícia Militar de Varginha, em depoimento à ESA de Três Corações, afirmou que o suposto extraterrestre observado pelas meninas era, na verdade um cidadão varginhense de trinta e poucos anos conhecido como “Mudinho”. Sofrendo problemas mentais, Mudinho costumava andar agachado pelas ruas do Jardim Andere, recolhendo bitucas de cigarro e outros objetos do chão.
“É mais provável a hipótese de que este cidadão, estando provavelmente sujo, em decorrência das fortes chuvas, visto agachado junto a um muro, tenha sido confundido, por três meninas aterrorizadas, com uma ‘criatura do espaço’”, registra o depoimento do comandante. Já a intensa movimentação de bombeiros e policiais militares (ele não cita o Exército) é atribuída às fortes chuvas daquele dia.
Os ufólogos argumentam que, no dia da aparição do ET, também houve tráfego intenso de caminhões da ESA de Três Corações em Varginha. No IPM, os militares rebatem: os veículos realmente foram deslocados, mas para manutenção na concessionária da Mercedes Benz na cidade. Uma nota fiscal de 432 reais referente aos serviços de alinhamento e balanceamento em oito caminhões foi anexada aos autos.
Além de dizer que a chuva ainda não havia começado no momento em que as meninas viram o suposto ET, Covo argumenta que a concessionária da Mercedes Benz costumava fechar nos fins de semana. Dia 20 de janeiro de 1996 era um sábado. Além disso, alegam os ufólogos: no IPM, o endereço da empresa “Automáco Comercial e Importadora LTDA.” que aparece em uma nota do Sistema Integrado de Administração Financeira do governo (SIAFI) é diferente do que revela a nota fiscal presente no inquérito. Todos os casos ufológicos já documentados no Brasil constam de uma tabela do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (COMDABRA), que quantifica desde 1952 o número de registros por ano. Curiosamente, o ano de 1996 é o que apresenta mais registros ufológicos: 65.
A palavra final foi dada pela juíza militar Telma Queiroz. Amparada pelo papelório que investigou o caso, ela declarou, em 4 julho de 1997, que o ET de Varginha nunca existiu. Depois de determinar o arquivamento da investigação, encerrou: “A estória é tão inverossímil que serviu de tema para o programa ‘Casseta & Planeta’”.