Política e crime no Rio
Nas últimas duas décadas, milícias, narcotráfico e bancas de jogos ilegais se infiltraram para ampliaram seus interesses na Câmara Municipal e Assembleia.
José Casado (publicado no Globo)
O Rio é a área metropolitana do Brasil onde o crime organizado mais avançou na política. É o que indica o rastreamento inicial de negócios que vinculam políticos com grupos de milicianos, narcotraficantes e donos de jogos ilegais.
Em Brasília, analistas seguem o fluxo do dinheiro que sustenta a disputa pela hegemonia na economia e nos votos de 830 áreas já mapeadas na capital e em 21 municípios. Discute-se a criação de uma força-tarefa local. Há pendências burocráticas, mas, sobretudo, hesitação sobre a conveniência política a sete meses do fim do governo Temer.
O mapeamento do caminho do dinheiro vai além das informações obtidas na etapa carioca da Lava-Jato e no inquérito sobre a emboscada e assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes, dois meses atrás no Centro da capital.
O rastreio preliminar confirma que, nas últimas duas décadas, milícias, narcotráfico e bancas de jogos ilegais conseguiram infiltrar, cooptar, manter e ampliar seus interesses em instituições como a Câmara Municipal e a Assembleia.
A influência política se tornou decisiva ao domínio de territórios, expansão dos negócios locais e impunidade. O controle do voto é uma realidade: a Justiça Eleitoral identificou pelo menos 468 seções eleitorais na capital, com mais de 618 mil eleitores (12% do total) e histórico de concentração de voto em candidatos ligados a milícias dominantes no Chapadão, Maré, Jacarepaguá e Alemão. O acesso de outros candidatos a essas comunidades costuma ser franqueado por “pedágios” — já houve caso de cobrança de R$ 120 mil em 2016.
Com influência no Legislativo, milicianos, narcotraficantes e banqueiros de jogos clandestinos avançaram na manipulação do sistema jurídico e no controle de áreas-chave de serviços públicos. A corrupção institucionalizada na etapa mais recente, desvelada pela Lava-Jato no Rio, acabou ampliando o espaço das quadrilhas na estrutura do Estado.
Elas participaram da coalizão de interesses que impôs critérios políticos na ocupação dos serviços de segurança (delegacias, batalhões da PM, corregedorias, sistema penitenciário e serviços de inteligência), de regulação dos transportes (trânsito), da ordem urbana (comércio) e do uso do solo, essencial à expansão de loteamentos clandestinos.
Essa dinâmica de negócios e poder político se reflete no crescimento da movimentação clandestina de capitais no Estado.
Num exemplo, pelo menos 40% dos 730 mil financiadores registrados na última eleição da cidade do Rio são percebidos como “laranjas”, pela Justiça Eleitoral, porque não possuíam patrimônio compatível com as doações.
Durante o ano passado, bancos, imobiliárias, empresas de auditoria, de seguros e de comércio de bens de alto valor comunicaram 1,3 milhão de negócios suspeitos de lavagem, dos quais 52% (740 mil) com dinheiro vivo.
O Conselho de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda, também aumentou em 73% a produção de relatórios sobre esse tipo de operações financeiras, na maioria com vínculos políticos. E somente um terço desse volume tinha relação direta com os múltiplos inquéritos da Lava-Jato.