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Roberto Pompeu de Toledo: Pobre pátria

Não se confunda a aversão pelas firulas em língua estrangeira com a patrulha dos puristas da língua

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 21h00 - Publicado em 13 mar 2017, 13h33

Publicado na edição impressa de VEJA

“Minha pátria é a língua portuguesa”, escreveu Fernando Pessoa. Pobre pátria a do poeta. Abriga filhos tão insatisfeitos em seu seio que passam a vida a ansiar por pátrias alheias. Na virada do século XIX para o XX, entre lojas chamadas A la Ville de Paris, Au Bon Diable e Au Bon Marché, o parisiense que percorresse as ruas centrais de São Paulo se sentiria em casa. A língua francesa também desafiava a pátria de Fernando Pessoa nos anúncios dos jornais. “Apprompta-se toilettes para promenades”, alardeava a loja La Saison, num duplo ataque ao idioma de Camões: primeiro, aplastrando-o com um charmoso “toilettes para promenades” sobre os reles “trajes de passeio”; segundo, esquecendo-se de pôr no plural o verbo naqueles idos chamado “appromptar-se”, hoje “aprontar-se”.

A francofilia (ou francomania) estendia-se no mesmo período ao hábito dos jornais de descrever em minúcias as toilettes das senhoras nos grandes eventos. Na inauguração do Theatro Municipal de São Paulo, em 1911, o repórter do Correio Paulistano, mais do que na ópera que se passava no palco (Hamlet, de Ambroise Thomas), fixou-se nas madames dos camarotes, com descrições assim: “Mme. Gustavo Pais de Barros – Elegante toilette de faille liberty gris-fér, guarnecida com lindas aplicações argentées; Mme. dr. Rubião Júnior – Toilette de lumineuse heliotrope com túnica de renda de chantilly preta, guarnecida com belas franjas de vidrilho preto”.

Fernando Pessoa dominava perfeitamente o inglês, que aprendeu em criança, na África do Sul, onde viveu com a família. Escreveu poemas em inglês. Mas se sentia mesmo à vontade, espraiava-se como em casa e reconhecia-se entre iguais quando imerso na língua que ouvia no colo materno. Em outros, ao contrário, dói o “arrocho do berço”, como o chamou Joaquim Nabuco, ele próprio confessadamente alguém que se sentia mais identificado com a Europa do que com o Brasil, até ele, o respeitável, o admirável Nabuco. (“As paisagens todas do Novo Mundo, a Floresta Amazônica ou os pampas argentinos não valem para mim um trecho da Via Ápia, uma volta da estrada de Salerno a Amalfi, um pedaço do cais do Sena à sombra do velho Louvre”, escreveu.)

Não se confunda a aversão pelas firulas em língua estrangeira com a patrulha dos puristas da língua. “A xenofobia sempre foi má conselheira”, advertiu Sérgio Rodrigues, num artigo recente. Rodrigues sabe das coisas. A perspicácia com que vê os fenômenos do idioma está condensada num livro que lançou recentemente, o ótimo (e divertido) Viva a Língua Brasileira. Feita a ressalva, o mesmo autor acrescentou, no mesmo artigo: “Afiar o espírito crítico para identificar modismos bobos, filhos da ignorância e até do desapreço por nossa língua e nossa cultura, não significa abraçar os puristas”.

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Um caso exemplar de “modismos bobos” e de “desapreço por nossa língua” invadiu nestes dias a caixa de mensagens do escrevinhador que vos fala. Em nossos dias, é o inglês que aguça os sentidos dos mal acomodados na pátria lusófona. É a vez de os nova-iorquinos se sentirem à vontade ao percorrer os shopping centers das principais cidades brasileiras. O caso exemplar em questão, um comunicado da confecção TVZ – portanto, como os citados acima, também pertencente ao mundo da moda -, começa assim: “Longos e curtos, eles não são vestidos, mas percorreram os últimos red carpets com elegância. O macacão já faz a vez do vestido de festa (…). Por ser versátil e fazer o estilo dress and go, este curinga feminino traz rapidez e modernidade ao look“.

Got it, leitor? Deu um like, leitora? Então lá vai outro trecho: “O shape (quase) tomboy chega com inspirações do movimento streetwear, um estilo que destaca a feminilidade de forma despojada. Recortes, faixas e estampas, pensados pela marca para o corpo feminino, transformam o mood das peças”. Fomos do francês para o inglês, e a toada continuou a mesma. Os inconformados com a pátria de Fernando Pessoa, entre os quais o mundo da moda tem relevante presença, seguem clamando por asilo em outras pátrias.

Para terminar em alto estilo, vem a propósito o poema Identidade Nacional, de Carlos Vogt, um fino cultor do idioma: “Terra de contrastes como sempre / tudo é igual a si e a seu contrário / o temporário segue permanente / e o permanente permanece temporário”.

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