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Separados pelas semelhanças

Como o PT, o bolsonarismo tem ditaduras de estimação e adota o revisionismo histórico

Por Valentina de Botas
Atualizado em 30 jul 2020, 20h15 - Publicado em 17 out 2018, 17h44

Valentina de Botas

Os multiplicadores de votos para Bolsonaro ganham reforço com mais de 300 personalidades que assinaram um manifesto contra o candidato do PSL e em favor da democracia. O de sempre: publicitários, artistas, intelectuais, apresentadores de TV, aquela turma que não vai perceber nunca que o Brasil está noutra. Não gosto de Bolsonaro, eu o acho um embuste parvo como Dilma Rousseff, não é nem liberal nem democrata, mas pode ser contido pela vigilância da sociedade. Não ameaça gravemente a democracia, ao contrário do que temem as mais de 300 personalidades seguras com Haddad. Apesar de autoritários, Bolsonaro e Haddad ameaçam mais a recuperação da economia: nenhum está preocupado com as reformas que podem nos tirar da segunda metade do século 20 e o embate real não é esse binarismo pobre e diversionista entre o “nazismo e comunismo” inviáveis, do qual os respectivos zoológicos precisam para existir, mas entre dois populistas toscos: nossa tragédia é mais profunda e extensa na sua banalidade. O manifesto é bacana, viu? Uma homenagem ao bom e ao belo, às virtudes e graças da democracia. Quem poderia ser contra a democracia, o controle remoto ou a mousse de chocolate?

Os assinantes de manifestos podem fazê-lo à exaustão, pois estamos numa democracia, picuinha burguesa que o lado que defendem diz haver na tiranizada Venezuela. O complicado do panfleto de grêmio estudantil é que os assinantes se desmoralizam pelo fato de jamais haverem subscrito coisa nenhuma contra o nefasto regime petista que ameaçou a democracia no poder e fora dele. E por que deveriam? Talvez se pergunte o caro leitor eventualmente recém-chegado de Vênus. Afinal, Lula poderia ter tentado um terceiro mandato, no entanto, respeitou a Constituição e pariu Dilma Rousseff ao final do segundo mandato. Dizer que, por isso, o PT não ameaçou a democracia é o mesmo que dizer que alguém tentando emagrecer não compromete a dieta ao tomar uma Coca Zero para acompanhar uma feijoada completa. A feijuca do PT que ameaçou o regime democrático juntava Mensalão e Petrolão que deformaram a democracia; instauração do nós x eles que a empobreceu; aparelhamento do Estado que a enfraqueceu; financiamento de ditaduras estrangeiras que a sepultam; perseguição a jornalistas independentes que a cerceia; tentativas de controlar o Judiciário que, se bem-sucedidas, a inviabilizariam.

Tudo isso vulnerabilizou as instituições que fazem a intermediação entre a sociedade e o Estado, incluindo a política devastada pelo lado pernicioso da Lava Jato. Daí, de certo modo, resultou o bolsonarismo com traços fascistoides do próprio petismo que, enquanto aprofundava nossas mazelas para se perpetuar no poder, esbulhou a nação e a exasperou de tal forma que balançou o berço do antipetismo que nasceu, cresceu e está andando e falando. Bolsonaro, o líder desse antipetismo, também aposta no enfraquecimento das instituições, notadamente, da imprensa independente e do sistema eleitoral contra os quais levanta e aprofunda suspeitas, velha tática de políticos personalistas, naturalmente paranoides, que incutem ou exploram a desconfiança no “sistema” para que só eles pareçam confiáveis. Como o PT, o bolsonarismo tem ditaduras de estimação e adota o revisionismo histórico cujo exemplo notório é o olhar edulcorado e nostálgico sobre a ditadura militar. Como o petismo, o bolsonarismo cria e espalha fake news. Desolador que o fenômeno se imponha por meios semelhantes aos do que deveria combater, assemelhando-se a um petismo sem PT.

A fratura na lógica de quem não viu ameaça à democracia sob e no petismo para a ver só num eventual governo de Bolsonaro expõe a farsa consciente ou não de quem submete o mundo à ideologia política: fatos, verdades objetivas e realidades verificáveis passam pelo crivo ideológico para receber o carimbo de autenticação. O país não sucumbirá em um regime totalitário, mas a resistência democrática deve estar preparada para conter aspirações autoritárias do novo presidente. Há quem não dê importância para essa conversa de democracia, instituições, etc., e esteja mais preocupado em pagar os boletos do mês ─ quem não está? ─, mas as questões relativas à institucionalidade são fundamentais para a recuperação econômica do país já que esta só é possível sem solavancos institucionais.

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Hóstia vermelha

Deus não escapa das campanhas eleitorais. Uma após outra, políticos aparecem religiosamente em missas, cultos e outros ritos para cultivar votos. Compreensível, mas deveria haver decoro até para os candidatos de ambos os lados explorarem as religiões e as ligações delas com poderes terrenos. Enquanto Bolsonaro, o cristão que elogia a tortura ─ horror que nega o o próprio Cristo ─, cumpria a praxe se aliando a pastores que ignoram a Bíblia e o Código Penal, um limite era ultrapassado no espetáculo de hipocrisia que a maioria desses senhores encena a cada 4 anos: a maoísta Manuela D’Ávila e o stalinista Fernando Haddad parecem ter reconhecido a existência e a santidade de Jesus Cristo. Se religião como instituição tem a ver com poderes terrenos, religiosidade não tem, ela é o essencial e o que dá verdade ao sagrado. Nas religiões, essa essência se realiza também em rituais ou sacramentos. Um deles, no Catolicismo, é a eucaristia, a comunhão, receber a hóstia sagrada que representa o corpo de Cristo, do cordeiro (hóstia, em latim, é o inocente sacrificado, grosso modo). Participam dos sacramentos somente os batizados na respectiva religião.

Manuela e Haddad poderiam assistir à missa, fazer cara de contrição, tirar fotos e só. Manuela até tentou caprichar fazendo cara de, bem, cara-de-Manuela-na-missa, mas tudo o que conseguiu foi ficar com cara-de-Lula-na-biblioteca. Fizessem a cara que fosse, todo cristão deveria repudiar a imagem de ambos comungando sob o olhar do padre companheiro. Os devotos do comunismo, pesadelo que só deu errado onde foi tentado e que assassinou milhões de pessoas e muitas das quais só por serem cristãs, recebendo a hóstia sagrada é uma impostura vil que não presta nem como piada, um insulto além dos limites até para os padrões de farsantes. Haddad e Manuela tingiram a hóstia sagrada de vermelho porque religiosidade e o verdeamarelismo repentino da chapa presidencial do partido que já deveria ter sido cassado têm valor somente eleitoral: a obscenidade da fraude está à altura do que o PT simboliza.

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