José Casado, publicado no Globo
O Supremo lustra seu poder, cada vez mais assombrado com os fantasmas das próprias escolhas.
Mais uma vez preocupou-se em expiar a culpa de erros históricos. Não mencionou, mas permanece indelével no histórico do tribunal a decisão de oito décadas atrás, quando simplesmente recusou-se a analisar um pedido de habeas corpus para uma mulher grávida presa no Rio. A omissão do STF decidiu a sorte de Olga Gutmann Benário Prestes, extraditada e executada no campo de extermínio que os nazistas montaram no velho hospício de Bernburg (Alemanha). Somente há 20 anos, em março de 1998, o tribunal mostrou-se em contrição pela recusa de julgamento de um habeas corpus. Foi pela voz do juiz Celso de Mello, então presidente da Corte.
Na quinta-feira, aceitou dar imunidade a Lula contra uma eventual prisão nos próximos 13 dias em homenagem “à história da liberdade, à história do habeas corpus” — definiu a presidente do tribunal Cármen Lúcia.
Se outro fosse o nome na capa do processo, talvez não houvesse sequer debate num longo show televisivo, interrompido por um dos fantasmas administrativos, a dificuldade operacional de reunir os juízes para sessões plenárias de julgamento de segunda à sexta-feira.
É possível que, também, sendo outro o nome na capa do processo, fossem julgados outros casos que estão à frente na linha do tempo. Como por exemplo o de Antonio Palocci, ex-ministro dos governos Lula e Dilma, preso há meses e com quatro petições protocoladas no Supremo.
Lula foi condenado a 12 anos e um mês pela corte de Porto Alegre, que revisa sentenças do caso Lava-Jato emitidas no juízo de Curitiba. Na segunda-feira o TRF-4 decide sobre os recursos e se determina, ou não, o início do cumprimento da pena em regime fechado. Lula ganhou do STF, na quinta-feira, o direito de passar a Semana Santa em liberdade.
Na vida real, seu caso serviu e continuará servindo para reforçar o poder do Supremo sobre as decisões na Operação Lava-Jato que envolvem pessoas politicamente expostas. Ano passado, os juízes circunscreveram a autonomia do Ministério Público à letra da legislação sobre colaboração premiada, ressalvando a possibilidade de sua interferência sobre o teor dos acordos — ainda que de forma restrita — na hora da sentença no STF.
Agora, com o caso Lula, voltam a sinalizar: pretendem revisar sentenças da Lava-Jato com peso específico e repercussão geral na cena política. Hoje, isso vale tanto para condenados como o ex-presidente como para empresários da área de transportes ao setor financeiro. Políticos vestidos de toga, reafirmam o próprio poder, envernizando-o com argumentos sobre a garantia de estabilidade institucional e da segurança jurídica.