Fernando Gabeira (publicado no Blog do Gabeira)
Bolsonaro andou falando sobre trabalho infantil. De um modo geral, não costumo comentar todas as frases do presidente. Fazia o mesmo com Lula. Líderes populares falam muito e em lugares diferentes. Às vezes, precisam de um habeas língua; se não, nos obrigam a parecer rigorosos fiscais do politicamente correto.
Acontece que este artigo é resultado de algumas coincidências. Bolsonaro carregava banana nas plantações de Eldorado, no Vale do Ribeira. Eu, quando menino, vendia bananas num balaio. Hoje, também por coincidência, passei o dia documentando a rotina dos bananais. Nada a ver com Bolsonaro, apenas aspecto do meu aprendizado no Vale do Ribeira, nessas três semanas em que me dediquei a viajar pela região.
Vender bananas no balaio foi o trabalho mais fácil que tive. Era independente, podia sempre deixar o balaio num canto e, com um pedaço de cipó, montar um cavalo manso a pelo, colher goiabas ou mesmo tomar um refresco de groselha no armazém de um italiano chamado Seu Menta.
Mas trabalhei ainda na infância numa fábrica de meias e numa loja de tecidos. A rigidez dos horários, as tarefas mecânicas, tudo isso me entristecia como menino. Na verdade, gostava de brincar e satisfazer minha curiosidade sobre coisas que não estavam ali, naquele trabalho.
Isso foi o suficiente para que jamais pensasse em repetir com os filhos aquela experiência de 70 anos atrás. E a passagem dos anos confirmou em teses e até políticas internacionais a importância do brinquedo e do estudo na vida das crianças.
Interessante na passagem do tempo foi a evolução do próprio processo produtivo, não somente valorizando o conhecimento mas também um elemento essencial no brinquedo: a criatividade.
Aliás, foi isso que ponderei com Bolsonaro quando ele enfatizava a disciplina das escolas militares. Estimular a inovação prepara melhor para sobreviver no mundo de hoje. Por isso, sempre gosto de lembrar a música de Santana: “Let the children play”.
Na verdade, as coincidências me fizeram lembrar do trabalho infantil. O próprio Bolsonaro afirmou que não pretendia transformar esse tema em projeto, nem levá-lo ao Congresso. O trabalho infantil não consta oficialmente de sua “retropia”.
Voltando às bananas, tal como as vi num dia de trabalho adulto, creio que entendi melhor essa resistência visceral diante de nossas políticas ambientais.
As plantações de banana estão numa região que detém 60% da Mata Atlântica, grande riqueza hídrica. A região é coberta por um conjunto de parques estaduais, reservas privadas como a da Votorantim, já desenvolvendo negócios a partir da floresta em pé: produção de mudas, pesquisa biotecnológica.
Os plantadores de banana questionam as restrições ambientais. A contrapartida que uma visão sustentável poderia representar não existe ainda: estradas, conexão fácil. Ainda acreditam, como talvez no tempo de Bolsonaro, que o grande entrave ao negocio é essa condição de área preservada.
Alguns quilombos — há cerca de 70 no Vale — acharam um nicho plantando banana orgânica. Talvez não seja essa a alternativa para as grandes plantações. Mas o interessante é que planejam fazer uma campanha de marketing em torno da banana. Quem sabe, um dia, exportar.
Se o caminho for esse, certamente haverá compromissos e conciliações. Foi o que aconteceu com Bolsonaro ao assinar o acordo do Mercosul com a União Europeia.
Viajar pela Régis Bittencourt sempre nos lembra como o Vale do Ribeira é um caminho e parte de dois estados poderosos: São Paulo e Paraná. O fato de não ter ainda dado um salto para além de suas limitações atuais não significa que isto seja impossível. Sua riqueza florestal e hídrica deve ser a alavanca desse salto. O potencial turístico ainda é pouco explorado, faltam infraestrutura, restaurantes.
Por isso, um conselho de vendedor para carregador de banana: será melhor definir o futuro em função dessa realidade de um Vale preservado e adaptar suas principais atividades a ela.
O investimento em pesquisa, estradas e conexão também pode impulsionar a banana do Vale, como se fez com o café no Sul de Minas. Bolsonaro deveria ajudar seus amigos a olhar para a frente. Mas é um entusiasta do passado.