José Casado, publicado no Globo
Termina em liquefação um longo ciclo político, e com o personagem central vivo.
O prelúdio foi no 7 de abril de 1978. Naquela sexta-feira, Claudio Hummes, bispo de Santo André (SP), peregrinou por sua diocese coletando doações — comida e dinheiro — para os operários metalúrgicos do cinturão industrial do ABC paulista.
Completavam a primeira semana de uma greve inédita, em desafio ao confisco salarial sustentado pelo regime militar. Na liderança emergia um ex-torneiro mecânico que migrara para a burocracia sindical, Luiz Inácio da Silva.
Na sexta-feira à noite, quatro décadas depois, Lula insistia em reescrever o epílogo policialesco da sua biografia política. Refugiou-se no berço sindical que o embalou à Presidência da República, dramatizando a resistência à mudança de endereço imposta pela Justiça — do quarteirão edificado do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, para uma cela de 15 metros quadrados na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba.
No decreto de prisão de Lula tem-se o marco da dissolução não apenas do projeto que ele encarnou, mas de toda a geração política que o acompanhou, no mesmo palanque ou na oposição.
Sinaliza uma inflexão à impunidade, com reflexos diretos no modo de fazer política, nas relações das empresas com o governo e o Congresso, e também do Judiciário com a sociedade. O centro da resistência às mudanças continua instalado na Praça dos Três Poderes, em Brasília.
Ex-presidente e sem foro especial, Lula viu o desfecho do caso em velocidade recorde, se comparado aos processos de políticos privilegiados com o remanso do foro no Supremo.
Ainda não houve julgamento de nenhum dos 78 senadores, deputados ou ministros denunciados no STF desde março de 2015 por envolvimento nas roubalheiras reveladas pela Lava-Jato. Porém, há seis meses os juízes desse tribunal discutem em público e no plenário formas de lustrar seu poder sobre o desfecho desses processos — desde a validação das delações premiadas até o significado conceitual de “trânsito em julgado” e a instância de sua resolução.
O drama construído na prisão de Lula contém outro aspecto relevante: a fragilidade das forças autodenominadas de esquerda, que se mantêm reféns do velho líder e não conseguem vislumbrar o futuro além do horizonte da Rua Professora Sandália Monzon, Bairro Santa Cândida, Curitiba — endereço da cela reservada para Lula.