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Valentina de Botas: crise por crise, prefiro aquela em que o Brasil decente tem a chance de se refazer: sem a súcia no poder

VALENTINA DE BOTAS Foi num modelo da marca que John tombou no colo de Jacqueline enquanto o sangue dele devolvia o vermelho aos RR entrelaçados na exclusiva grade do radiador que passaram a ser gravados em preto desde 1913, quando Frederic Henry Royce assim o decidira para permanente homenagem a Charles Rolls, o sócio morto […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 00h53 - Publicado em 22 jul 2015, 10h13

VALENTINA DE BOTAS

Foi num modelo da marca que John tombou no colo de Jacqueline enquanto o sangue dele devolvia o vermelho aos RR entrelaçados na exclusiva grade do radiador que passaram a ser gravados em preto desde 1913, quando Frederic Henry Royce assim o decidira para permanente homenagem a Charles Rolls, o sócio morto naquele ano. Saindo do transe, os Estados Unidos se refizeram como depois da guerra civil cem anos antes ou da terrível depressão dos anos 30. Desconhecemos dramas agudos assim: nossas tragédias, mesmo profundas, são crônicas, cotidianas, cristalizadas. Fernando Collor, cujo Rolls-Royce escapou da apreensão porque reluzia em São Paulo à sombra de uma dívida de IPVA, só preside a comissão de infraestrutura do Senado porque este é brasileiro e conduzido por Renan Calheiros que renunciou para não ser cassado.

Ou alguém consegue situar tais aberrações no U.S. Congress, no Bundestag ou na House of Commons? Essas cracas imorais do poder se revigoraram no gangsterismo de Estado lulopetista que aperfeiçoou todos os nossos defeitos, parindo um novo: a metafísica cretina que faz do país decente refém da virtude de ser decente. E é assim que soou o alerta de que o impeachment de Dilma favoreceria a presidente e o PT. Então, o país que pagará por décadas os custos desse espírito miserável deve repensar o 16 de agosto e, digerindo a indignação lacerante em resignação cívica, em vez de pedir a remoção da súcia, implore que ela continue onde está, engendrando sei lá quantos novos esbulhos.

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No Brasil sem governo e sem oposição, a verdadeira crise é do sentido das coisas que se colapsa no espírito do êxtase de uma corja que ganha quando triunfa e, quando perde, quer triunfar. Comprovam isso os alertas de fumaça no Brasil todo quando o único foco de incêndio é a delinquência do governo a ser preservado para não ser favorecido. O colapso da pertinência das coisas aparece também no êxtase da súcia pelo enfraquecimento de Eduardo Cunha cuja culpa, antes de comprovada, transmuda-se em inocência de Dilma como se ela não soubesse do petrolão. Sempre soube, afirmam as delações premiadas e os fatos que desafiam os fundamentalistas institucionais.

Quando JD foi cassado, Arthur Virgílio afirmou que era a “cassação moral do governo Lula”. O ensejo legal para o impeachment foi desprezado pela oposição assustada que considerou que a popularidade do jeca o blindava e que a iniciativa convulsionaria o país. A lei não foi cumprida e o mensalão deu em petrolão. Agora, a permanência no poder da presidente isenta de condições morais e políticas de governar é o que pode levar o país exaurido à convulsão. E as provas?

Ora, o mesmo Collor inocentado no Supremo por falta de provas caíra por falta de sustentação. Não havia essa sabotagem do sentido das coisas sustentando que o cumprimento da lei favorecerá o bandido. A extravagância da tese nos faz reféns em um cativeiro imaginário que prolonga a agonia real do país exaurido. Grata pelo alerta, mas crise por crise, prefiro aquela em que o Brasil decente tem a chance de se refazer: sem a súcia no poder.

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