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Augusto Nunes

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Valentina de Botas: Diploma de presidente

Vencer uma eleição não basta para derrotar o petismo, superar esse aleijão político-ideológico requer mudança de mentalidade

Por Valentina de Botas
Atualizado em 30 jul 2020, 20h06 - Publicado em 11 dez 2018, 15h40

Jair Bolsonaro passou no teste das urnas fraudadas e recebeu o diploma de presidente. Mérito legítimo e inquestionável. Fez um discurso bom, embora meio confuso ao dizer que o “poder popular não precisa mais de intermediação”. Ora, o presidente é a intermediação: como todo ocupante de cargo eletivo, ele faz a intermediação entre o povo e o poder, já que os 209 milhões de brasileiros não sentarão naquela poltrona do 3°. andar do Planalto nem nas cadeiras do Congresso. Mistificações. Mas, vá lá, o clima era de emoção; o fato é que o homem sobreviveu a um atentado e venceu uma eleição. Torço para que suas capacidades não se esgotem aí, é o que faz qualquer brasileiro que tem como pátria não uma ideologia, mas o Brasil. À torcida, junta-se a esperança sã se acompanhada de uma desejável e inevitável desconfiança porque se trata de um novo governo e não sabemos o que virá. Também há, penso eu, um cansaço envelhecido de um país sob 14 anos de petismo, essa desgraça cujos efeitos perduram mesmo cessada a causa.

Vencer uma eleição não basta para derrotar o petismo, superar esse aleijão político-ideológico requer mudança de mentalidade; tenho a impressão de que essa craca mental é tão insidiosa que lateja até mesmo na resistência a ela. É assim, por exemplo, que vejo o incidente num avião (por amor de meu jesus cristinho, num avião!) entre o advogado Acioli e o ministro Lewandowski, aquele um que desonrou o cargo quando preservou os direitos políticos de Dilma Rousseff no impeachment desfalcado, fora o resto da ficha corrida do petista de toga. Escrevi ao ministro e nesta coluna, mais de uma vez, o que penso de seu descaramento e, muito pessoal e particularmente, condeno a atitude de Acioli ─ seja em avião, em restaurantes, em hospitais durante atos de vida privada de uma pessoa pública ─, tomada por petistas e não petistas, seja contra Sergio Moro ou contra Lewandowski, seja contra Miriam Leitão ou contra Regina Duarte. Me alertam que estou errada segundo muita gente que admiro. É que prefiro não fazer aquilo que um petista faria. Também, assim, combato o petismo não o replicando em partes cujo todo eu queria neutralizado, com a sensação de que esse é um modo eficaz de abolir o ciclo em que um primitivismo alimenta o outro.

Não discuto os aspectos legais da atitude de Acioli e da reação de Lewandowski porque o que me importa é o momento anterior ─ quando um acioli ou um petista indignado decidem que sua indignação os autoriza a desconsiderar a segurança dos presentes, se há um sem noção mais exaltado por ali, as consequências imponderáveis de se inflamar uma multidão contra alguém sozinho; e, no caso de um acioli, também ignorar que tal atitude transpira petismo. Há quem interprete o que digo como um elogio a Lewandowski, fazer o quê? O Brasil, em que se avaliam indivíduos, não suas práticas e ideias, é ainda o confinamento ético chatíssimo e pobre do “nós x eles” fundado pelo petismo. O fundador ruma à crescente e tardia irrelevância; seu legado deveria ser um alerta, mas é tomado pelo antipetismo como inspiração.

Entre sinais positivos como a qualidade técnica da maioria dos ministros e negativos como a acefalia política da articulação do novo governo que depende das reformas ─ viabilizadas pela articulação com o Congresso ─,  Jair Bolsonaro foi diplomado prometendo governar para todos, a parte de que mais gostei porque ao “todos” não se seguiu o detestável “e todas”: colhem-se alegrias florescendo em pequenas coisas, pensei lembrando de Emily Dickson que reli neste domingo. Ele ouviu um sermão da ministra Rosa Weber sobre direitos humanos porque disse, mais de uma vez durante a campanha, que “a minoria tem de se curvar para a maioria, tem de se adequar ou desaparecer”. Não é bem assim nos países civilizados, aspiração do Brasil, quero crer. Enquanto isso, o assessor Fabrício Queiroz sumiu. Não é um mero assessor: conhece Bolsonaro há 34 anos e é o homem do churrasco da família. Isso torna o presidente diplomado responsável pelo que o amigo-assessor-churrasqueiro-motorista fizer? Claro que não! Quem é responsável pelos assessores é Geraldo Alckmin, lembram? Mas isso foi antigamente, na campanha eleitoral há um mês, quando se condenava antes de se investigar, agora ─ gente, estou até emocionada ─ que nunca mais seremos socialistas com o fim do governo do socialista de esquerda, Michel Temer, o estado de direito é restabelecido e todos os avisos são categóricos: “apure-se tudo e, se tiver de punir, que se puna”. Não é lindo? Apurar antes de punir? Já pensaram? Nem sei o que dizer. Avoa, Brasil!

 

Alguém tem de fazer os pudins

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“Muita Loucura faz Sentido —

A um Olho esclarecido —

Muito Sentido —

é só loucura —

É a Maioria

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que decide, suprema —

Aceite — e você é são —

Objete — é perigoso —

E merece uma Algema”

Em 1862, quando começou a se corresponder com o poeta Thomas Wentworth Higginson, ela perguntou: “Estaria o senhor atarefado demais para me dizer se meus versos têm vida?”. O domingo já foi, mas é sempre tempo de lembrar Emily Dickson, a poeta americana que, como nossa grande Clarice Lispector, nasceu num 10 de dezembro, 90 anos antes, em 1830. Clarice é “popular” na internet, em frases exatas ou deformadas, uma deformação que pode ser a causa ou a consequência dessa popularidade, eu não sei. Então vou falar da Emily, cuja obra é menos comentada. Ela escreveu mais de 1.800 poemas; quando morreu em 1886, só 10 haviam sido publicados. Emily vivia reclusa. Saía tão pouco de casa que quase tudo o que se sabe de sua vida está nas cartas que trocou com pouquíssimas pessoas. Quando lhe perguntavam por que não saia de casa, ela dizia que “alguém tem de fazer os pudins” e que “as colinas e o pôr-do-sol me bastam”. Desse lugar anônimo, bucólico e solitário, Emily criou uma poesia irônica, ambígua, aberta a possibilidades inúmeras de interpretação, celebrando e antecipando essa nossa tal liberdade de expressão e, mais, de recepção ou fruição lírica.

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Seu desinteresse por igrejinhas literárias e autores da época manteve sua obra inédita até 1890. Muitos editores decidiram “corrigir” os poemas, podando iniciais maiúsculas, inserindo conjunções e artigos, dando títulos para muitos deles e substituindo característicos travessões por pontuação convencional. Suas inovações gramaticais iluminadas por versos que uniam sensibilidade e criatividade compensavam (na falta de uma palavra melhor que não me vem) a banalidade de sua vida ou das nossas. Sim, Higginson viu vida viva na poesia de Emily e não gostou: a poeta não dava a mínima para regras e padrões que ele tanto prezava. A rigidez da rima e da métrica? Amarras dispensadas para seus temas favoritos: morte, amor ─ a que dava tratamento intenso; e a natureza, que abordava com delicadeza singular. A observadora reclusa, que pouco falava e só vestia branco, também exaltava a amizade e a ternura em poemas que são instantâneos breves que conquistaram o mundo depois que ela se foi. Ler os versos de Emily Dickson e encantar-se com seus enigmas, um jeito agradável de terminar o ano com gratidão pelo que começamos a fazer com a vitória de Bolsonaro e com a esperança desconfiada de que realmente tenhamos começado.

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