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Balanço Social

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Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil
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Direito ao aborto legal ainda está longe de ser cumprido no Brasil

Decisão recente do STJ pela rejeição do crime de estupro de vulnerável preocupa entidades de direitos humanos e traz à tona a discussão sobre aborto legal

Por Andréia Peres Atualizado em 9 Maio 2024, 11h03 - Publicado em 26 mar 2024, 09h03
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  • Li há algum tempo que as mudanças começam quanto você escolhe se importar. Acredito nisso. Violência é crime. E como tal deve ser denunciada, punida e não pode ser tolerada de forma alguma pela sociedade. É urgente que comecemos a nos importar com isso. A violência contra uma criança não atinge só a vítima, mas sim todos nós, pois viola direitos humanos básicos e universais.

    Parece óbvio, mas, infelizmente, para muitos ainda não é. Lembro que não faz muito tempo que um grande portal de internet se referiu ao estupro de uma garota de 12 anos pelo padrasto como “sexo entre menina e padrasto”. Graças à indignação de centenas de pessoas, a matéria foi editada e o crime chamado pelo que é: estupro.

    Um recente julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) do caso envolvendo o estupro de uma menina de 12 anos por um homem de 20, que teve como consequência a gravidez da adolescente, me fez recordar esse episódio.

    “Ao argumentar que a ‘antecipação da fase adulta não deve causar mais danos especialmente à criança gerada nessa união’, o STJ  nitidamente deixa de garantir a proteção de uma menina que teve seus direitos violados”, diz a nota de repúdio publicada pela ONG Plan International Brasil, que reforça ainda o direito da adolescente de 12 anos vítima de um estupro à interrupção da gravidez. Direito que está previsto no Código Penal de 1940 e volta e meia é negado.

    Organizações de direitos humanos, como a Agenda 227 e uma série de coalizões, coletivos, entidades e movimentos da sociedade civil que atuam pela defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, também assinaram na semana passada nota produzida pela Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente em repúdio à decisão do STJ.

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    Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, o Brasil registrou, em 2022, o maior número de estupros da história. Foram 74.930 casos e as principais vítimas são crianças: 61,4% tinham até 13 anos. Nesse período, foram registrados 14.293 nascidos vivos de meninas com menos de 14 anos. Se considerarmos a série histórica do Datasus, de 1994 a 2022, esse número é ainda maior: em média 25 mil garotas dessa faixa etária deram à luz a nascidos vivos ao ano.

    Adolescentes com menos de 14 anos são considerados, por lei, incapazes de consentir, o que torna qualquer ato sexual em que estejam envolvidos “estupro de vulnerável”. “Meninas que sofreram violência deveriam ter direito ao aborto seguro”, diz Cynthia Betti, diretora executiva da Plan International Brasil, em entrevista exclusiva a esta coluna, reforçando que, nesses casos, há a chamada violência sexual presumida. “Achar que uma menina de 12 anos que foi violentada não tem direito ao aborto é deixar a vida dela em segundo plano”, diz ela.

    Segundo Cynthia, o esforço hoje é para não retrocedermos nessa questão. “Esse é o grande risco”, explica. “Temos lutado nos últimos anos contra o retrocesso e não com foco em avanço. É muito frustrante”, desabafa.

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    Razões para se preocupar não faltam. “Grupos conservadores têm intensificado a atuação para barrar o aborto legal no Brasil, ao mesmo tempo em que promovem projetos de lei que buscam reverter esse direito”, alerta o portal feminista Catarinas.

    AMEAÇAS AO ABORTO LEGAL

    Carta assinada por 22 organizações e entregue agora em março durante a primeira sessão do ano da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial denuncia a falta de informação sobre o direito, tentativas de punir e responsabilizar as vítimas e a investida de parlamentares para criminalizar integralmente o direito ao aborto, como é o caso do projeto de Estatuto do Nascituro, que pune o aborto inclusive em casos de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia fetal, situações em que ele hoje é legalmente permitido.

    Atualmente, de acordo com o monitoramento do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), há em torno de 30 projetos nessa área tramitando no Congresso, 18 deles propõem retrocessos no aborto legal (12 na Câmara dos Deputados e seis no Senado Federal). Outros 10 projetos na Câmara e um no Senado aparecem como inciativas positivas, apoiadas tanto pela bancada do centrão quanto por parlamentares de esquerda, como o de Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que cria um novo crime para casos de impedimento ou interferência no aborto legal.

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    “Não é dada para essa menina vítima de violência ou para a família dela a opção do aborto”, lamenta Cynthia. Segunda ela, por muitas razões, que têm a ver, em geral, com religião ou conservadorismo, ninguém fala sobre essa possibilidade. “Há uma tentativa de dificultar o acesso a um direito que essas meninas já têm. Até na profilaxia isso acontece. Tem muita coisa que poderia ser feita, como a pílula do dia seguinte, que as pessoas desconhecem”, alerta a diretora executiva da Plan International Brasil, que produziu inclusive uma cartilha para falar desses direitos, intitulada Sofri Violência Sexual e Engravidei. E agora, quais são meus direitos?, publicada em 2023.

    De acordo com o Mapa do Aborto Legal, iniciativa da ONG Artigo 19, 73 hospitais fazem aborto legal no Brasil e há 115 serviços cadastrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) como provedores de aborto legal para vítimas de violência sexual. Dados da plataforma Panorama do Aborto no Brasil, do Instituto AzMina, dão conta de que, de 2015 a 2022, foram realizados, em média, 1.800 abortos legais, por ano, nos hospitais públicos. O cálculo levou em conta a média de procedimentos registrados no Datasus com o diagnóstico “aborto por razões médicas e legais”.

    Os números não deixam dúvidas de que o direito ao aborto legal está ainda muito longe de ser cumprido no Brasil. Está na hora de cada um de nós escolher se importar para que os direitos dessas meninas e das mulheres, em geral, sejam de fato garantidos.

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    * Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.

     

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