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Balanço Social

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Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil
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Taxa de homicídios cai, mas jovens continuam sendo as principais vítimas

Mais da metade das vítimas de homicídio no Brasil tem de 15 a 29 anos de idade

Por Andréia Peres Atualizado em 9 Maio 2024, 15h02 - Publicado em 7 Maio 2024, 09h15
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  • Outro dia, um amigo meu, militante de direitos humanos, desabafou comigo sobre o fato de termos salvado a vida de milhares de crianças nos anos 1980/1990, graças a queda dos índices de mortalidade infantil, para deixá-las morrer, poucos anos depois, na adolescência, vítimas de violência. Ele não se conformava com esse desperdício de vidas. Nem eu.

    Os números dão razão a ele. Em 1960, a taxa de mortalidade infantil era de 125 mortes para cada mil nascidos vivos.  Milhares de crianças morriam por doenças que hoje são facilmente evitáveis, como as infecciosas e parasitárias. Em 1990, chegou a 47,1 e, em 2022, foi de 12,59 óbitos por mil nascidos vivos (IBGE). Por outro lado, segundo o Atlas da Violência 2023 (o mais recente disponível), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2021, de cada 100 jovens entre 15 e 29 anos que morreram no país por qualquer causa, 49 foram vítimas de violência letal. Dos 47.847 homicídios ocorridos no Brasil nesse mesmo ano, 50,6% vitimaram adolescentes e jovens entre 15 e 29 anos. Uma média de 66 jovens assassinados por dia no país.

    “Isso já vem acontecendo há algum tempo, atravessa décadas”, diz Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea, coordenador do Atlas da Violência e um dos maiores especialistas brasileiros em segurança pública em entrevista a esta coluna. Segundo ele, os dados demonstram a baixa preocupação e compromisso do Brasil com nossos adolescentes e jovens. “É um desperdício vital para a sociedade. Antes da morte física, teve uma morte simbólica desse jovem que nasceu na exclusão, na falta de oportunidade”, conclui.

    PERSONAGEM É SEMPRE O MESMO

    De acordo com o especialista, o perfil do jovem que morre é “sempre o mesmo”: negro, com ensino fundamental incompleto (a maioria não completou 7 anos de estudo) e morador das áreas mais pobres da cidade.

    Jovens que, muitas vezes, tendo ou não relação com o crime, morrem vítimas de balas perdidas que de perdidas não têm nada. “A bala vai sempre no mesmo local, nas periferias onde esses meninos moram”, diz ele, afirmando que o resultado disso “é uma novela que se repete há muitos anos e o personagem é sempre o mesmo”.

    Da década de 1980 para cá, houve um aumento nessa escalada da violência no Brasil. E, o que é ainda mais cruel, a cada década “estamos matando jovens cada vez mais jovens”, analisa o especialista. Cerqueira aponta que, em 1980, o pico dos homicídios no Brasil se dava aos 25 anos de idade. Hoje, está em menos de 21 anos de idade.

    Um cenário que, de acordo com o pesquisador, foi moldado por instituições de exclusão, exploração e de uso intensivo da violência do passado que marcaram nossa história desde a chegada dos portugueses e que continuaram se reproduzindo em políticas de segurança pública.  “Basicamente políticas de segurança pública eram políticas que faziam verdadeiros cordões sanitários para separar os indesejáveis das pessoas da casa grande”, aponta. Uma política que, de acordo com ele, persiste ainda hoje.

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    “Na segurança pública não existe política pública baseada em evidências”, critica. “É muito na base do achismo, da ideologia”, diz o especialista, citando o exemplo das câmeras corporais que, apesar de várias pesquisas terem mostrado o seu impacto positivo nos últimos anos tiveram a sua eficácia questionada. “Até quando a gente tem alguma evidência científica isola-se essa evidência para utilizar a segurança pública como instrumento de controle social e de uso eleitoral”, afirma, acrescentando que esse é um dos elementos que também faz com que a gente não consiga sair desse capítulo no Brasil.

    AVANÇOS NA ÚLTIMA DÉCADA

    Apesar da gravidade da situação, alguns avanços podem ser observados, de acordo com o Atlas da Violência 2023.  Em 2021, houve queda de 6,2% no número absoluto de homicídios de jovens em comparação a 2020. A taxa de homicídios a cada 100 mil jovens passou de 51,8 para 49, uma redução de 5,4% em um ano. A redução nos dados de violência letal de jovens é observada desde 2017 e acompanha a queda geral do número de homicídios no país, que de 2016 a 2021 foi de 25,2%.

    “Há uma década, alguns elementos estão conspirando a favor de uma maré de diminuição de homicídios no Brasil”, afirma Daniel Cerqueira. Um primeiro elemento é uma forte transição demográfica. Segundo o especialista, a velocidade com que a proporção de jovens tem caído no Brasil desde 2003 é mais acelerada do que em qualquer país desenvolvido. Em um trabalho feito para o Ipea há alguns anos, Cerqueira e outros especialistas calcularam que só o envelhecimento da população tinha potencial de fazer cair 20% o número de homicídios. Acertaram “quase na mosca”.

    O segundo fator é o que Cerqueira chamou de “revolução invisível”. Segundo ele, até os anos 1990, política de segurança pública era colocar a polícia na rua. A partir dos anos 2000, com o sequestro do ônibus 174, em plena zona sul do Rio de Janeiro, e um acúmulo de massa crítica, foi lançado o primeiro plano nacional de segurança pública e criado o Fundo Nacional de Segurança Pública pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. O assunto também chegou às eleições municipais daquela época. “Foi a primeira vez que se falou no papel do prefeito em políticas de segurança pública. Antes, ninguém queria saber desse assunto”, lembra.

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    “Caminhamos em alguns lugares do Brasil com políticas mais qualificadas”, analisa o pesquisador. De acordo com ele, vários estados, como Pará, Minas Gerais, São Paulo, Pernambuco e Espírito Santo fizeram políticas mais qualificadas, baseadas no que deu certo em outros países, como Japão, Estados Unidos e Colômbia.

    “Em 2023, o Espírito Santo teve a menor taxa de homicídios dos últimos 35 anos. E isso também aconteceu em muitos municípios do Nordeste e em vários outros do país, como Pelotas (RS) e Niterói (RJ), que começaram a abrir mão da improvisação e do achismo e passaram a fazer diagnóstico e planejamento na segurança pública”, afirma.

    Outro fator que, na visão de Cerqueira, contribuiu para a diminuição de homicídios no país foi o armistício na grande guerra de facções pelo controle internacional do narcotráfico, a partir de 2018.

    Com as eleições municipais se aproximando, o especialista lembra que muita coisa pode – e deve – ser feita. Segundo ele, metade dos homicídios acontece em 2% dos municípios. Quando se analisa esses municípios violentos, percebe-se que metade desses homicídios acontece em cerca de 3% dos território. “Os homicídios estão muito concentrados”, destaca. Para Cerqueira, o uso dos dados para planejamento e atuação faz, sim, a diferença. “Há experiências exitosas em Pernambuco, no Espírito Santo, na Paraíba, em Belém”, enumera, lembrando que todas as esferas de governo têm responsabilidade na segurança pública – não apenas os estados.

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    Ainda que tenha se reduzido nos últimos anos, a vitimização de jovens continua sendo um “problema de primeira grandeza”, aponta o Atlas da Violência 2023. Segundo a publicação, para além da tragédia humana, há um impacto econômico dessa violência, pois essas mortes redundam em um custo intangível de 1,5% do PIB a cada ano, ou R$ 150 bilhões, tomando como referência o desempenho econômico do Brasil em 2022.

    “No momento em que o Brasil passa pela maior transição demográfica de sua história, rumo ao envelhecimento da população, o descompromisso com a juventude está comprometendo o futuro da nação”, lembra o Atlas da Violência 2023. Acrescentaria que não só o futuro, mas também o presente. A questão da segurança pública é urgente e precisa ser discutida, com prioridade, nessa e nas próximas eleições.

    * Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.

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