Sim, a meritocracia é um mito. Mas o Estado só agrava o problema
É claro que a desigualdade de oportunidade existe. Justamente por isso precisamos de um Estado que pese menos sobre os ombros dos pobres
Uma juíza do Paraná teve milhares de compartilhamentos no Facebook ao afirmar que chegou aonde chegou não por mérito próprio, mas porque nasceu branca e estudou em escolas particulares. “Na linha da corrida em busca do sucesso e realização, eu saí na frente desde que nasci”, disse Fernanda Orsomarzo num post de semana passada.
É difícil discordar da afirmação central do depoimento da juíza. É evidente que uma pessoa tem mais chances de se formar juiz ou medalhista olímpico se tiver a sorte de nascer numa família de juízes ou atletas. O esforço individual tem seu valor, mas Martine Grael e Kahena Kunze, que ganharam o ouro na vela na Rio 2016, já saíram na frente por serem filhas dos campeões mundiais Torben Grael e Claudio Kunze.
Como na maioria das críticas à meritocracia, o texto da juíza tem um complemento. Se não nascemos em condições iguais, então o Estado precisa corrigir essa injustiça. “O discurso embasado na meritocracia desresponsabiliza o Estado e joga nos ombros do indivíduo todo o peso de sua omissão e da falta de políticas públicas”, diz ela.
Aí mora o problema. Uma coisa é perceber a “injustiça cósmica” (como o economista Thomas Sowell chama o fato de alguns nascerem com mais sorte que outros) e tentar atenuá-la; outra é acreditar que o Estado um dia será capaz de garantir igualdade de oportunidades.
É mais correto afirmar o contrário: o Estado aumenta ainda mais a desigualdade ao nascer. A pessoa já nasce mal, numa família miserável, com pais bêbados e negligentes, e nós ainda a obrigamos a frequentar escolas públicas decrépitas e a pagar impostos para financiar burocratas, empreiteiras, aposentadorias especiais e uma Justiça cara e ineficiente. Se o jovem sai da escola e tenta trabalhar, o Estado o proíbe ou exige diplomas e certificações. Se tenta empreender, o Estado manda fiscais para coibir o comércio ilegal.
Bom saber que uma juíza considera a desigualdade de oportunidade uma barreira alta demais para os pobres. Pois ela pode começar a diminuir essa injustiça fazendo seu trabalho render o máximo possível – abdicando, por exemplo, das férias de 60 dias a que os juízes têm direito. Também pode apoiar soluções bem distantes da burocracia tradicional. É o que fazem dezenas de ONGs que oferecem bolsas de estudo em escolas particulares.
O Estado, como dizia Milton Friedman, é só uma instituição, um edifício: não é responsável por ninguém. Só pessoas podem cuidar de outras pessoas.
@lnarloch
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