Detroit, São Caetano do Sul e Aguascalientes: desafios e soluções das cidades que cresceram fabricando carros
Se nos bons tempos São Caetano do Sul, berço da indústria automotiva nacional, podia ser chamada de Detroit brasileira, numa comparação com a cidade americana onde nasceu a indústria automobilística, a relação entre elas demonstra que pode persistir até na crise. Há cerca de sete anos, Detroit mergulhou no pior momento de sua história, com fábricas baixando as portas e milhares […]
Se nos bons tempos São Caetano do Sul, berço da indústria automotiva nacional, podia ser chamada de Detroit brasileira, numa comparação com a cidade americana onde nasceu a indústria automobilística, a relação entre elas demonstra que pode persistir até na crise. Há cerca de sete anos, Detroit mergulhou no pior momento de sua história, com fábricas baixando as portas e milhares de operários desempregados. Os dois milhões de habitantes de 1970 foram reduzidos a 700 mil. Os que partiram deixaram para trás milhares de imóveis abandonados, ruas vazias e uma economia quebrada. O fotógrafo e piloto Alex MacLean conseguiu traduzir essa decadência na série de imagens aéreas Detroit by air (acima).
Agora, o enredo de crise se repete no Brasil. De 2003 a 2012, o país representou o maior crescimento do mercado de carros, o que permitiu à indústria automobilística tornar-se a maior da maior economia da América Latina. O arranque foi liderado por Fiat Chrysler, Volkswagen, GM e Ford. O crescimento fez até mesmo a Alemanha ficar para trás em 2010, quando perdeu o quarto lugar entre os maiores vendedores de carros do mundo para o Brasil. Em 2012, foram vendidos quase 4 milhões de automóveis no país.
Tal crescimento se refletiu de modo positivo na qualidade de vida dos moradores de São Caetano do Sul, que há três anos lidera o ranking de municípios com maior IDH (índice de desenvolvimento humano) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). A cidade pontuou com 0,862, o que, na comparação internacional, equivale a ficar na frente do Chile, por exemplo. São levados em conta fatores como educação, longevidade e renda per capita.
De lá para cá, porém, veio uma avalanche de más notícias. A economia desacelerou e o crédito minguou. Quase 20 mil pessoas perderam o emprego e milhares ainda correm o mesmo risco. O fim do subsídio do governo à gasolina fez muita gente deixar o carro na garagem. Com Brasil e Argentina puxando as vendas para baixo, a indústria automobilística latina teve um prejuízo de 2 bilhões de dólares na região no ano passado. As montadoras que sofreram menos foram as que tinham fábricas mais mecanizadas, especialmente Honda, Hyundai e Toyota, além da Fiat Chrysler, que nadou contra a maré e abriu uma fábrica neste ano em Pernambuco.
Será que a crise econômica pode por a perder até mesmo conquistas locais como a boa qualidade de vida de São Caetano do Sul? Será que a cidade repetirá o triste destino de Detroit? Não necessariamente. O desempenho de São Caetano do Sul nos próximos meses dependerá dos investimentos que o município tiver já tiver feito com foco no médio e no longo prazos. Tais resultados serão acompanhados de perto por todas as cidades do mundo que apostaram no automóvel como eixo de prosperidade — incluindo aí a vizinha e também berço da indústria nacional, São Bernardo do Campo.
Se no Brasil crise já se instalou e começa a mostrar seus efeitos, há neste exato momento um lugar do mundo tentando –e conseguindo– transformar o impulso econômico da produção automotiva em benefício permanente. É Aguascalientes, no México, menina dos olhos das montadoras que tem menos de 1 milhão de habitantes e está localizada 500 quilômetros ao norte da Cidade do México.
O México é hoje o maior produtor de carros da América Latina. Era o décimo do mundo em 2009 e saltou neste ano para sétimo lugar global, à frente da França, da Espanha e do Brasil, de quem roubou a posição. É também o quarto maior exportador do mundo. Ford, Toyota, Nissan, Audi e BMW são as principais montadoras instaladas por lá. Ao contrário do Brasil, que de modo geral dedicou seus melhores anos ao incentivo do consumo, o México fez escolhas diferentes.
Primeiro, o México investiu na formação de engenheiros e assim pode oferecer mão de obra local bastante qualificada quando isso se fez necessário. No Brasil, apenas 39% dos estudantes de engenharia se formam. Dos que pegam o diploma, só 42% trabalham com engenharia e, desses, só 54% estão no setor industrial. A falta de profissionais qualificados resulta milhares de vagas ociosas. Em 2007, momento de forte expansão econômica, quase um terço (31%) das vagas para engenheiros no Brasil permaneceram desocupadas. Os dados são da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A segunda diferença que pesa a favor do México é sua abertura econômica. O país firmou acordos comerciais com 45 países, enquanto o Brasil firmou com apenas oito. Isso significa também que outros produtos, como pneus e eletrônicos, começam a surgir na esteira da produção automobilística, ampliando o escopo da produção local. Celaya, San Luis Potosi, Monterrey, Salamanca e Saltillo estão entre os polos dessa nova geração de produtos “made in Mexico”.
Em terceiro, o México busca alternativas para aumentar o crédito, como linhas oferecidas pelas próprias fabricantes. O maior esforço é da Nissan, que no início deste ano chegou a mapear trabalhadores informais do país para tentar oferecer meios de adquirirem um carro. Por fim, tudo isso acompanha investimentos federais em rodovias, cada vez mais atraentes e seguras para os motoristas, e também em ferrovias, para facilitar o transporte da produção de aço necessária às montadoras (indústria que também segue muito bem, obrigada).
Muitas cidades brasileiras podem já ter perdido a chance de ser o México. Ainda assim, na pior das hipóteses, podem tentar se reinventar como Detroit. Em 2011, o Sistema de Saúde Henry Ford, uma organização sem fins lucrativos que presta serviços médicos, uniu-se ao Centro Médico de Detroit e à Universidade Wayne State, além de outras entidades filantrópicas para lançar um programa chamado Live Midtown, (algo como centro vivo), que oferece incentivos financeiros para os funcionários que se instalarem no abandonado centro de Detroit ou apenas permanecerem por lá. A onda de adesões fez outras empresas oferecerem vantagens parecidas, desde fabricantes de computadores a produtoras de energia. Já ao governo local coube colocar as contas em ordem e conceder os incentivos possíveis para a transformação. Aos poucos e não sem dificuldade, Detroit vem se reerguendo.
Claro que a todas essas cidades persiste ainda uma questão estrutural: no mundo todo, o carro não representa mais o mesmo objeto de desejo que representou no passado. Estudos sobre a geração do milênio indicam sua preferência por bicicletas e transporte público, o que se reflete numa escala menor de vendas para esse público. A questão ambiental também pesa. Enquanto os carros poluem, as temperaturas mundiais seguem em elevação e o ar urbano de várias cidades do mundo é apontado como responsável por uma profusão de doenças respiratórias. Isso sem falar na disputa pelo espaço urbano, o que muitas vezes coloca o carro no papel do vilão da história. Por outro lado, é indiscutível que o carro embute uma história de sucesso e que continua sendo fundamental para o desenvolvimento de países inteiros. Modelos menos poluentes, como os elétricos da Tesla, e os inteligentes, como o Google Car, mostram que há caminhos promissores a serem explorados pela indústria automobilística. Motorizado ou não, o destino de Detroit, São Caetano do Sul e Aguascalientes têm muito a ensinar sobre o futuro das cidades.
Por Mariana Barros
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