Amor pela profissão é positivo e necessário, mas não pode ser obsessivo
Pesquisa mostrou que pensar o tempo todo focado em trabalho aumenta o risco de burnout
O escritor argentino Jorge Luis Borges disse certa vez que “a tarefa de ser poeta não se cumpre em um horário determinado. Ninguém é poeta das oito às duas e das duas às seis”. Para ele, “quem é poeta, é poeta sempre, e se vê continuamente assaltado pela poesia”.
Essa característica que Borges atribui aos escritores vale, na verdade, para qualquer um realmente apaixonado por sua profissão: o empresário que pensa o tempo todo em como aprimorar seu negócio, o professor que tem novas ideias para a sala de aula, o médico que carrega um zelo constante por seus pacientes.
O amor pela profissão é, evidentemente, algo positivo e desejável, mas a preocupação ininterrupta com o trabalho, muitas vezes advinda desse amor, pode abrir caminho para quadros perigosos de esgotamento emocional.
Uma pesquisa pioneira, publicada na revista especializada Frontiers in Psychiatry, mostrou que a ruminação relacionada ao trabalho, isto é, o ato de pensar no trabalho durante momentos de descanso e lazer, é um dos preditores mais claros para o chamado burnout.
O estudo, conduzido na Alemanha, foi o primeiro a utilizar o formato de diário para investigar relações entre bem-estar, preocupação com o trabalho e esgotamento emocional. O acompanhamento cotidiano dos participantes revelou que essa ruminação diária relacionada ao trabalho induz a situações de mau humor, irritação e cansaço, piorando a qualidade de vida e antecipando um possível quadro de burnout.
Ainda temos muito o que aprender sobre essas correlações fascinantes – o estudo citado, por exemplo, se limitou a profissionais da área da psicologia. Mas já está bastante clara a importância de saber balancear o tempo de trabalho com o merecido (e necessário) descanso.
Há, inclusive, quem diferencie a paixão “harmoniosa” pelo trabalho, aquela que nos faz sentir prazer no âmbito profissional e a almejar a excelência, da paixão “obsessiva”, que leva o indivíduo a sobrepor sua carreira a todas as demais esferas da vida. A palavra-chave aqui é controle: o obcecado pelo trabalho é, à sua maneira, um escravo da profissão.
Não há solução fácil para esse dilema, sobretudo em um mercado de trabalho cada vez mais dinâmico e competitivo, sempre em constante mutação. A relação entre dedicação e obsessão, entre amar uma carreira e preocupar-se com ela de maneira insalubre, será sempre uma relação tensa, delicada. Mas é possível almejar a algum equilíbrio.
Creio que um dos melhores conselhos a esse respeito foi dado pelo terapeuta e escritor Guy Winch em entrevista ao New York Times, quando ele ressalta a diferença que existe entre “desconectar” e “recarregar” após um dia de trabalho.
Quem é apaixonado pela profissão não deixará de pensar nela simplesmente porque resolveu se descansar após certo horário. Ainda que não se faça nada de concreto, as ruminações estarão lá, rodopiando na cabeça do indivíduo enquanto ele descansa no sofá, saboreia o jantar ou tenta pegar no sono.
Mais do que esvaziar a cabeça após um dia de trabalho, é preciso ocupa-la com outras ideias. Isso sim permite recarregar as baterias. São incontáveis as atividades que podem ter esse efeito energizante: ler um livro, praticar um esporte, dedicar-se a alguma atividade manual, meditar, tocar um instrumento. O fundamental é encontrar algo que traga satisfação pessoal.
Trabalhar com aquilo que se ama é um enorme privilégio. A busca pelo equilíbrio entre carreira e saúde mental é justamente uma forma de preservar esse privilégio, para que possamos seguir apaixonados pela profissão que escolhemos.