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Claudio Lottenberg

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Mestre e doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), é presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein
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Caso Djokovic e o alerta para a saúde coletiva

A pandemia mostrou a importância da união da sociedade em torno de valores que devem beneficiar a todos

Por Claudio Lottenberg
17 jan 2022, 21h55

Desde seu início, declarado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020, a pandemia da Covid-19 trouxe à tona muitas questões humanas de âmbito moral e ético. Na fase inicial, o foco foram as alocações de recursos escassos, como leitos de UTI e ventiladores. O que parecia cenário apenas de ficção e de distopias migrou para a realidade em pouquíssimo tempo, e o que vimos foram serviços de saúde – mesmo os mais robustos e bem organizados – colapsarem mundo afora.

Os seres humanos e as sociedades em que vivem, apavorados com o vírus desconhecido (e com sua capacidade de surpreender e solapar toda e qualquer presunção humana de controle), se uniram em valores coletivos de solidariedade. Profissionais da saúde, incansáveis na missão diária de minimizar os danos de uma doença sem precedentes; governantes, no propósito de prover recursos econômicos, físicos e humanos para a batalha biológica por vir; e os diversos grupos sociais pelo mundo, envolvidos como um todo na causa humanitária de protegerem a si mesmos como uma unidade de sobrevivência coletiva – por toda parte, enfim, viu-se um esforço coletivo em nome da saúde, e de enfrentar um inimigo de natureza universal – um vírus, que a rigor deveria unir as sociedades.

Mesmo assim, vimos no início da pandemia o Brasil, por exemplo, sendo afetado por pressões econômicas no fornecimento de equipamentos. Ventiladores foram destinados aos países com maior poder de barganha, e por aqui milhares de pessoas sofreram por não receberem os aparelhos. Embora tenha havido esse esforço contra a doença, também houve uma inversão de valores: interesses mercantis vieram primeiro.

Atualmente, apesar da variante ômicron, nos encontramos em um cenário diferente. Especialmente por conta do início da vacinação, que começou em dezembro de 2020 – e que, no Brasil, completou um ano nesta segunda-feira (17). É neste contexto que se insere o recente caso envolvendo o tenista sérvio Novak Djokovic. O atleta se tornou o assunto de manchetes no mundo todo nos últimos dias por ter sido barrado pela imigração da Austrália, onde iria participar do torneio Australian Open. Ele teria apresentado documentação com erro sobre uma isenção médica para entrar no país sem que fosse preciso comprovar a imunização contra a Covid-19.

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Tudo começou no dia 5 de janeiro, quando o tenista ali desembarcou, e terminou no último domingo (16). Ao longo de apenas 11 dias, ele teve o visto cancelado uma vez, procurou a Justiça para entrar no país e ganhou. Chegou a treinar por alguns dias, mas o documento foi novamente cancelado pelo governo – o que fez o atleta recorrer à Corte Federal australiana, que validou por fim o cancelamento. Djokovic foi, então, deportado e proibido de voltar à Austrália por três anos.

O caso envolve a resistência de algumas pessoas em tomar a vacina – não é exatamente a situação do Brasil, onde quase 69% da população completou o primeiro ciclo vacinal (duas doses ou dose única) e pouco menos de 16% já tomou a dose de reforço. Com o avanço da ômicron, entretanto, a necessidade de que a imunização não só avance como seja acelerada, se tornou mais urgente, uma vez que a variante tem se mostrado mais contagiosa.

Na Europa, por exemplo, no ritmo atual de crescimento de infecções, mais da metade da população do continente terá contraído a doença nos próximos dois meses, disse na semana passada a OMS, a partir de estimativa do Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde da Universidade de Washington (EUA). Já no Brasil, a instituição estimou que o número de infectados por dia pode atingir o pico de 1,3 milhão em meados de fevereiro. Mesmo que se fale que a ômicron seja menos letal – de fato, um número crescente de pesquisas vem mostrando que a variante não prejudica tanto os pulmões como a delta –, já houve no Brasil um óbito de um homem de 68 anos. Embora estivesse imunizado com as três doses, ele tinha doença pulmonar obstrutiva crônica, uma comorbidade importante.

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Há que se ter em conta também a dramática situação da África. Enquanto nos países desenvolvidos já se caminha de forma acelerada com doses de reforço, haja discussões em torno de novos reforços no futuro próximo e existam perspectivas de tornar a vacinação algo a se repetir todos os anos, na África a vacinação é apenas incipiente em muitas regiões. É preciso ter a noção de que não haverá meio de abreviar o sofrimento causado pela pandemia enquanto a vacina não chegar a todos.

A circulação sem controle do coronavírus abre a possibilidade para o surgimento de novas variantes. Ainda que existam em curso pesquisas de remédios contra a Covid-19, a vacina é até o momento o instrumento mais efetivo para conter seu avanço. Não vou aqui defender, nem condenar e nem politizar o assunto Djokovic. Torço pelo tenista, mas a questão não se confina a uma pessoa. A Austrália montou uma verdadeira fortaleza no combate ao SARS-CoV-2, com regras bastante rígidas dentro de uma visão de natureza coletiva. O país é soberano e tem suas leis. O episódio todo precisa ser lido numa ótica mais ampla. Ele não só ressalta o conceito de viver em comunidade, como se tornou emblemático.

É preciso entender também que, em algum momento, faz-se necessário abrir mão de direitos e opções individuais em favor do coletivo. A polêmica em torno do tenista se torna, assim, uma grande oportunidade para reflexão acerca de nossos comportamentos dentro da perspectiva da ética e da moral, a respeito de nossos movimentos e suas consequências frente aos demais, o significado de viver em comunidade Embora torça pelos tenistas de forma geral, torço muito mais por uma sociedade mais solidária. Da qual, infelizmente, ainda estamos um tanto distantes.

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