Decisões sobre saúde requerem bases científicas sólidas
Contra a proliferação de fake news e teorias da conspiração, o caminho é a busca por fontes comprovadas pelo método científico
Temos assistido a uma transformação digital do mundo, na busca por acesso, simplificação e até mesmo justiça social. Entretanto, como em tudo, questões difíceis não têm respostas fáceis.
As preocupações associadas ao uso de algoritmos na área da saúde se referem aos desafios – e à perversidade da sua aplicação a contextos complexos. Essas preocupações envolvem, por exemplo, a privacidade de dados, a equidade em acesso e tratamento, interpretações e previsões enviesadas, falta de transparência nos processos algorítmicos, a lista continuaria. Embora os algoritmos possam melhorar a eficiência e a precisão em diagnóstico e tratamento, eles também apresentam riscos éticos e sociais que devem ser cuidadosamente abordados para garantir seu uso responsável e seguro.
Mas fiquemos na interpretação dos dados.
As fake news na área da saúde são informações falsas ou enganosas que se espalham principalmente através de plataformas de mídia social e outros meios de comunicação. Falsas curas, teorias da conspiração sobre vacinas ou tratamentos médicos, distorções da evidência científica estão entre os principais exemplos de temas em que as fake news proliferam. Propagá-las pode ter consequências graves – como causar confusão e ansiedade junto ao público e mesmo levar as pessoas a tomar decisões sobre saúde que podem se revelar extremamente prejudiciais. Por isso, é importante promover a literacia em saúde, o que envolve criar a cultura de se buscar informação em fontes científicas confiáveis.
Não faltam – infelizmente – exemplos práticos de fake news em saúde. Veja-se o caso da teoria conspiratória que diz que vacinas causam autismo, ou outras condições médicas, sem haver evidências científicas (ou pior: para as quais já haja mais que suficientes evidências de que isso é falso). Divulgar curas supostamente milagrosas, ou mesmo tratamentos médicos alternativos ou não comprovados, é outro caso: a consequência pode ser inclusive o fazer a pessoa abandonar tratamentos médicos eficazes. Certos tipos de dietas e alimentos também figuram aqui: muitas vezes se propagam informações sobre benefícios sem qualquer propagação científica. Para nem entrar na seara da manipulação, distorção ou interpretação tendenciosa de estudos científicos para promover uma agenda específica. Aqui, o mais comum é que evidências contrárias ou nuances na pesquisa sejam ignorados em nome dessa agenda.
Estes são só alguns exemplos, de uma lista que iria ainda muito longe. O fundamental, no combate à fake news na área da saúde, é estar sempre atento às fontes da informação e verificar sua veracidade, sua fonte. E igualmente fundamental é não divulgar a informação – menos ainda agir com base em nelas – antes que fontes e veracidade sejam comprovadas.
O que se faz necessário aqui é valorizar a metodologia científica: é com base nela que se exige que as afirmações sejam fundamentadas em evidências empíricas sólidas. Ao seguir métodos científicos rigorosos, os pesquisadores podem obter resultados confiáveis e válidos. Esse é o crivo que ajuda a distinguir entre informações verdadeiras e falsas. O valor da informação verificada quanto à sua consistência científica se torna ainda mais refinado porque há a segurança que é oferecida pela revisão por pares. Este é um componente essencial da metodologia científica: a revisão consiste em ter os estudos avaliados por outros especialistas da área antes de serem publicados nos periódicos. Validade e precisão de resultados ficam assim consolidados – filtrando informações imprecisas ou enganosas.
Tudo isto deve ser feito com transparência e capacidade de ser replicado seguido de análise crítica.
Não sou contra a informação pelas redes digitais. Mas ela deve se autorregular pela boa base científica. O que significa, na sua origem, seguir o rigor da metodologia científica. Assim, decisões podem ser tomadas com base em evidências sólidas. Com isto, com educação e literacia em saúde, é possível fortalecer a capacidade das pessoas para identificar e resistir às fake news.
Claudio L. Lottenberg, médico e presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e Presidente Institucional do Instituto Coalizão Saúde (ICOS).