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Claudio Lottenberg

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Mestre e doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), é presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein
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Quanto mais tecnológica, mais humana a medicina será

Médico e paciente, livres de contatos impessoais, poderão criar relações de maior confiança

Por Claudio Lottenberg
Atualizado em 14 Maio 2024, 00h15 - Publicado em 17 jul 2023, 17h14

O psicanalista húngaro Michael Balint escreveu em 1957 o livro O Médico, Seu Paciente e a Doença. Logo no início, ele afirma que o objetivo do trabalho (feito com 14 clínicos gerais e um psiquiatra) era realizar “um exame razoavelmente completo da sempre mutável relação médico-paciente”. Mal sabia o dr. Balint o quanto essa relação iria se transformar, mais de 60 anos depois, sob efeito de um progresso tecnológico que, à época, só os escritores de ficção científica eram capazes de imaginar.

Hoje, um tema que se ouve por toda parte no universo da saúde é o “cuidado centrado no paciente”. Um artigo disponível no SciElo diz que entre os princípios que orientam essa centralidade estão: dignidade, compaixão, respeito, apoio emocional e alívio do medo e da ansiedade. Outros na lista são: coordenação e integração do cuidado; cuidado personalizado; apoio ao autocuidado; informação, comunicação e educação. Neste segundo bloco, facilmente se vê que estão princípios que muito se beneficiam, e cada vez mais vão se beneficiar, do avanço da inteligência artificial.

Já sobre os mencionados no primeiro bloco: ainda não surgiu uma IA que os consiga simular. Sobram exemplos, por toda parte na internet, de robôs com expressões faciais ou habilidades acrobáticas que chegam quase a assustar. Mas nenhum desses robôs “entende” dignidade, compaixão e apoio emocional. Se chegarão a entender, não se pode dizer. Mas nada indica que isso esteja em qualquer futuro próximo.

Como isso tudo se liga à discussão sobre a relação médico-paciente? As habilidades “objetivas”, por assim dizer, serão todas de extrema utilidade para o médico e para o paciente. Ter dados à mão, ajudar a se chegar a diagnósticos mais precisos mais rapidamente, eliminar (ou ao menos reduzir) burocracias, de tudo isso o médico se beneficiará. O paciente, por sua vez, verá crescer o número de fontes para obter informação – inclusive indicadas pelo próprio médico. Terá aplicativos e dispositivos que acompanharão ativamente sua aderência a horários de medicamentos, de tratamentos, de consultas.

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Tudo isso é digitalizável. Sendo possível deixar essas tarefas programáveis para as máquinas, as pessoas envolvidas – o médico e seu paciente – estarão livres para criar uma ligação que será mais que uma sessão de questionamentos impessoais e mecânicos – com o primeiro de olhos fixos em uma tela de computador e o segundo sem saber para onde olhar. Confiando na IA cada vez mais eficiente, poderão olhar um nos olhos do outro, para construir e consolidar uma relação de confiança.

Já tive ocasião de dizer que os médicos não serão substituídos pelos robôs, pela IA ou por qualquer tecnologia digital (ou não digital) que se queira. Mesmo se as máquinas vierem a realizar procedimentos médicos com o mesmo (ou maior) grau de destreza que os humanos, restará o fato de que são humanos em contato uns com os outros. Como era com Hipócrates e seus pacientes, há mais de 2 mil anos. Há – e, agora, arrisco dizer que sempre haverá – um núcleo de humanidade que não será emulado pela tecnologia.

A tecnologia vai favorecer aquele médico que, dispondo de mais recursos tecnológicos, mais deixará a cargo deles a parte digitalizável da relação com o paciente. O que é dizer, assim, que os pacientes poderão receber mais de sua atenção pessoal, mais de sua dedicação e habilidade médica. E os pacientes terão a seu lado um apoio digital para seguir tratamentos, ter acesso a conhecimento qualificado e educar-se para a prevenção. A medicina viverá, então, um muito interessante e curioso paradoxo: quanto mais digital e tecnológica for, mais humana e pessoal poderá ser.

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