Já não se pode escapar da IA (Inteligência Artificial), seja como recurso tecnológico cada vez mais presente, seja como tema de conversas – das acadêmicas e profissionais até as descontraídas, entre amigos. No ponto em que nos encontramos do desenvolvimento da IA, as discussões sobre regulamentação de seu uso têm ganhado proeminência. Afinal, cada vez mais decisões – e decisões cada vez mais importantes – têm se apoiado no uso dessa ferramenta. Essa incorporação precisa de regras, para que fiquem claras todas as responsabilidades dos muitos atores envolvidos.
No Brasil, a Câmara dos Deputados analisa o projeto de lei (PL) 759/23, que determina a definição de uma Política Nacional de Inteligência Artificial. Há ainda outras propostas de legislação tramitando no Congresso – e celeridade (sem açodamento, no entanto) nessa tramitação só faria bem à sociedade brasileira. Não há como enfatizar o suficiente a importância de se investir em pesquisa e implementação de sistemas de IA – não só porque os ganhos em eficiência e produtividade mais que se justificam como porque ficar para trás é se condenar ao atraso.
O projeto da Câmara tem entre seus eixos centrais três princípios: transparência, segurança e confiabilidade. Há outros, também da maior importância – mas, para o setor de saúde, os três citados têm um caráter essencial. A área tem incorporado intensamente avanços de IA, empregados em cirurgias, diagnósticos, tratamentos e acompanhamento de pacientes.
E as pesquisas sobre como aplicá-los na oftalmologia prosseguem. Um projeto do Google de 2019, por exemplo, mostrou como um algoritmo podia ajudar a diagnosticar retinopatias através do reconhecimento de imagens.
Mais recentemente (início de 2022), um artigo publicado pela American Academy of Ophthalmology apresentou um algoritmo capaz de usar fotografias de fundo de olho para encontrar nos olhos examinados sinais de edema macular diabético. Mas as patologias detectáveis a partir de aplicação de IA a imagens de fundo de olho, OCT (Tomografia de Coerência Óptica, na sigla em inglês) e campo visual incluem ainda edema macular, glaucoma, degeneração macular ligada à idade e outras. Diagnósticos formulados por oftalmologistas encontram nos resultados gerados pela IA um apoio cada vez mais sólido.
E em agosto deste ano, pesquisadores do Moorfields Eye Hospital e do UCL Institute of Ophthalmology (ambos em Londres) publicaram no periódico Neurology (da American Academy of Neurology) um estudo mostrando que identificou, em exames oftalmológicos, marcadores que indicaram a presença de doença de Parkinson sete anos (em média) antes dos sinais clínicos de manifestarem. Isso foi possível com uso de IA e de imagens do UK Biobank.
Aliás, o UK Biobank é um estudo, lançado em 2006, que cadastrou meio milhão de adultos que se voluntariaram para participar. O estudo envolve exames médicos, entrevistas sobre saúde e estilo de vida e doação de amostras genéticas. Em 2014, o UK Biobank entrou em fase de coleta de imagens, do cérebro e de todo o corpo. Servirá de fonte preciosa de dados para estudos e pesquisas nas próximas décadas.
Já tive ocasião neste espaço de dizer que, por mais avançada que a IA venha a se tornar, ela não dispensará o elemento humano, ainda mais na área da saúde. Regras para garantir a ética, a segurança, a privacidade e outros princípios basilares serão necessários – inclusive a revisão periódica de tais regras, uma vez que a tecnologia, dinâmica como é, sempre apresentará dilemas e controvérsias inéditos.
Como ferramenta aplicável à saúde, no entanto, o lugar da IA já está mais que consolidado. No que diz respeito aos olhos, o estudo sobre Parkinson mostra o potencial de exames oftalmológicos com IA para orientar a monitoração de muitos outros órgãos do corpo. Muito desse potencial ainda está por se explorar. Se regulamentação é o que se precisa para estimular o avanço dessa revolução no Brasil, que avancemos nela, em busca de tornar disponível o melhor – em saúde e em todas as áreas – para a sociedade brasileira.