Foi provavelmente ao percorrer os corredores de um supermercado que Andy Warhol encontrou inspiração para transformar latas de sopa e caixas de sabão em obras de arte. Entre as muitas interpretações que suas pinturas permitem, uma delas é que, às vezes, a vida nos surpreende. Um objeto que seria apenas prático ou uma atividade que seria apenas banal trazem consigo uma boa dose de beleza e de poesia. Há transcendência no que é ordinário. Isso vale para o sabão em pó, mas também para o próprio supermercado. Quem disse que um passeio por seus corredores, independentemente da luz fria, não pode aquecer a alma?
Todo mundo tem alguma memória feliz, nem que seja da infância, entre gôndolas e prateleiras. O colorido dos produtos, a amplidão do espaço, as promessas de gostosuras ao alcance da mão: o supermercado sempre foi uma espécie de mundo encantado. Depois crescemos, mas lá dentro muita coisa surpreendente continuou a acontecer. Bons encontros, por exemplo — e a vida, como bem definiu Vinicius de Moraes, é a arte do encontro. Sem pressa, sem ansiedade, podemos trocar palavras com outros clientes, mesmo desconhecidos. Podemos também observar e admirar com calma: um casal que passeia, a interação entre pais e filhos, a delicadeza de um gesto. Quem sabe quantas boas amizades não nasceram assim? Quem sabe até grandes amores? Ainda hoje, a chave para essa combinação entre calor humano e atividades corriqueiras continua sendo a mesma. O segredo está em um bem precioso, que tínhamos de sobra na infância, mas que agora nos falta, mesmo que sejamos ricos: o tempo.
“O segredo está em um bem precioso que tínhamos de sobra na infância e agora nos falta: o tempo”
A falta de tempo, associada às facilidades da vida moderna, fez com que muita gente deixasse de lado o hábito de ir fazer compras pessoalmente. As próprias grandes redes fornecem aos seus clientes a comodidade da entrega em domicílio. Quase tudo de que precisamos pode ser conseguido com um simples toque na tela do celular. É bom que seja assim, mas algo sempre se perde: o inesperado, o calor humano, ou mesmo algo mais simples, como a descoberta de um novo produto.
Sábado, 12 de novembro, é comemorado o Dia do Supermercado — e é por essa alquimia de praticidade e afeto que eu tenho a certeza de que vale celebrá-lo. Sou suspeita, é claro. Meu pai fundou uma das principais redes do país, ainda na década de 50. Foi com ele que aprendi que supermercados têm alma. Era comum ele ir pessoalmente às lojas, para bater papo com clientes e funcionários. Nos anos 1970, criaria as lojas Jumbo, enormes — foram os primeiros hipermercados do Brasil. Tinham um sentido prático: em um período em que a inflação subia, concentrar as compras em um só lugar, no início do mês, ajudava o salário a valer mais, a não perder poder de compra. O bonito é que toda essa praticidade e grandiosidade haviam nascido de uma singela loja de doces, o primeiro negócio de meu pai, inaugurada em 1948, em São Paulo.
Às vezes gosto de pensar que o açúcar de confeiteiro que eu, criança, via suspenso no ar dentro daquela loja da Brigadeiro Luís Antônio de alguma maneira se espalhou pelo mundo, por todos os supermercados que vieram depois. Como uma fina camada de poesia que adoçasse — que ainda adoça — a vida de todos nós.
Publicado em VEJA de 16 de novembro de 2022, edição nº 2815