Certo dia uma senhora foi ao estúdio de Picasso encomendar-lhe um quadro retratando uma pomba. Acertado o valor — uma fortuna — o artista empunhou o pincel e, na presença da cliente, produziu a encomenda, um traço oblíquo descendente ligado a outro, ascendente, um pouco mais curvo e longo, no melhor estilo cubista que ajudara a inventar. Duas linhas, dois palitos. Ela se espantou: “Poxa, mas você levou só uns minutos para pintar”. A resposta entraria para a história: “Na verdade, minha senhora, eu levei uma vida inteira”. O diálogo, registrado com variações no anedotário das artes plásticas, costuma ser citado como exemplo de que a genialidade, fácil na aparência, em geral é fruto de muito esforço. Mas ilustra também o tanto que pode ser feito num lapso de tempo.
Transportado para o nosso cotidiano, esse conceito pode ser transformador. É comum a atitude de desprezo em relação aos minutos, e até às poucas horas, que sobram entre um compromisso e outro. “Em duas horas não dá para fazer absolutamente nada.” “Não tenho como aproveitar os quinze minutinhos antes de começar a reunião.” Reações assim geram o desperdício do nosso bem mais precioso: o tempo. Mas é tudo uma questão de adaptarmos nossa expectativa. Com duas horas não dá para maratonar uma série, mas é possível assistir a um filme maravilhoso. Seria inviável produzir um banquete, mas não um prato delicioso. E se você tem só uns minutos, não vai atravessar um romance caudaloso, mas poderá ler dois ou três poemas, e até esticar a experiência, quem sabe garimpando um pensamento entre versos.
“Um cuidado para não pôr tudo a perder: a rapidez, por si própria, não é garantia de resultado”
Cada um desenvolverá sua própria estratégia. Admiro, por exemplo, a maneira como o meu marido, Luiz, aproveita qualquer pequena janela entre compromissos. Ele fecha os olhos, entra em alfa e lá fica, imerso em suas ideias. Quando volta, está renovado, emocional e intelectualmente pronto para o que vier. A verdade é que insights, por natureza, não consomem mais do que um breve instante. Não levou mais do que uma fração de segundo para que o ovo de Colombo fosse colocado em pé ou para que Alexandre, o Grande cortasse o nó górdio, resolvendo com invejável pragmatismo o problema que encafifava seus contemporâneos.
Da mesma maneira, decisões importantes, aprendizados duradouros e relaxamentos necessários não precisam demorar mais do que duas horas. Nesse pequeno intervalo temporal é possível fechar um negócio que será fundamental para a empresa ou para sua vida profissional. Um par de horas é também suficiente para um jantar tranquilo com uma pessoa querida. Um esportista amador não faria uma sessão de atividade física mais longa do que isso, incluída aí uma revigorante ducha final. Cabe ainda nessas dezenas de minutos: aprender uma receita nova, mudar o visual numa visita ao salão, comparecer àquela consulta sempre adiada ou se desincumbir da correspondência atrasada. São atividades relativamente rápidas e com potencial para dar uma guinada no nosso dia e melhorar nossa autoestima.
Só é preciso cuidado para não colocarmos tudo a perder com a mesma velocidade. Sim, porque a rapidez, por si própria, não é garantia de resultado.
Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2022, edição nº 2773